Do pombalismo ao liberalismo

Tudo começou com o choque das referidas reformas de 1783 que minaram o tradicional modelo da autonomia, transformando o Leal Senado em mera câmara integrada na hierarquia piramidal do Estado Soberano, fazendo depender o governo local do Vice-Rei da Índia. Estas reformas serão aplicadas no território a partir de 28 de Julho de 1784, quando o governador passou a ter direito de veto sobre as decisões do Senado, ao mesmo tempo que se substituía a guarda municipal por uma guarnição de cipaios, tudo em nome da defesa da soberania portuguesa e da religião católica, contra as extorsões e vexações recebidas dos mandarins.

O Senado reagiu imediatamente e, num longo documento de 13 de Dezembro de 1784, defendia a manutenção de um regime que durava há 226 anos, com benefícios efectivos, salientando-se a circunstância de serem os moradores que pagavam a defesa. Aliás, os governadores, meros chefes de uma centena de soldados, estavam talvez mais interessados na manipulação dos bens da fazenda do que nas questões políticas, até porque, perante circunstâncias extraordinárias de insegurança, tudo dependiam do esforço financeiro que os moradores fizesse e, consequentemente, do Senado que os representava.

Foi nesta sequência, aliás, que em 13 de Maio de 1810, o Príncipe Regente concedeu o título de Leal ao Senado de Macau, em recompensa pelos serviços prestados no combate ao pirata Cam-Pao-Sai em 1809, bem como pelos socorros dados ao Estado da Índia. E o mesmo gestor do poder central português, então estabelecido no Brasil, lá teve que manter a dualidade do poder, pedindo apenas ao Senado que não afrontasse o governador.

A ameaça do pirata citado permitiu também que melhorassem as relações com as autoridades chinesas, dado que em 23 de Novembro de 1809 o Vice-Rei de Cantão pediu formal ajuda a Macau para o combater, levando a que uma esquadra portuguesa tivesse destruído o poder do mesmo na célebre batalha da Boca do Tigre em 21 de Janeiro de 1810.

Entretanto era restaurada a Companhia de Jesus em Portugal (1814), nove anos antes do último jesuíta abandonar Pequim..

Apesar de em 1822 se ter sido restaurada episodicamente a autonomia do Senado, num processo onde os dominicanos, partidários dos liberais, tiveram protagonismo, contra os defensores do Ancien Régime liderados pelo ouvidor Miguel de Arriaga Brum da Silveira, eis que até final da década se gerou um vazio de poder no território, logo aproveitado pelas autoridades chinesas, para compressão da autonomia local. Tal compressão vai também continuar por parte do centro político português, quando o liberalismo cartista tratou de praticar o unificacionismo.

Assim, logo pelo decreto de 9 de Janeiro de 1834 o Senado é reduzido a simples câmara municipal, sujeita ao governador. Mais graves, no entanto, serão os efeitos dos decretos de Joaquim António de Aguiar, o chamado mata frades que, tal como a expulsão da Companhia de Jesus pelo pombalismo (1759), transportam para o território medidas anticlericais, compreensíveis por ideologias lisboetas, mas inadequadas ao ritmo da presença portuguesa no Oriente. Aquilo que na Europa podia reforçar o poder político laico tinham efeitos totalmente contrários no ultramar.

Com efeito, em Outubro de 1834, entra em vigor em Macau o decreto de 28 de Maio desse ano, da autoria de Joaquim António de Aguiar que além de repor em vigor a legislação pombalina sobre a expulsão dos jesuítas, extinguiu as congregações religiosas, os conventos e os mosteiros, disposições que, em Macau, só vêm a ser concretizadas em 1836. Por ironia do destino, em 27 de Janeiro de 1835, era destruída por um incêndio a Igreja de São Paulo que fora erigida entre 1594 e 1602. Um incêndio que aliás começou na cozinha de um regimento militar aí instalado desde 1831. E nesse mesmo ano de 1835 o Leal Senado chega mesmo a ser dissolvido.

Quanto mais liberal era o sinal governativo de Lisboa, menos autonomia ficava em Macau. Assim com o setembrismo, que, pelo Código Administrativo de Passos Manuel (7 de Dezembro de 1836) instituiu a figura do governador geral, equivalente aos governadores civis, então criados no Portugal europeu, com superintendência nos assuntos civis e militares e actuando como mero delegado do poder central. Na altura surgiu também a designação de províncias ultramarinas.

Ficavam assim desfeitos os tradicionais regimes autonomistas do criativo direito administrativo português tradicional, agora obrigado a seguir os ditames de um pronto a vestir burocrático com que se pretendia moldar uniformisticamente Sobral de Monte Agraço, Cabo Verde, Benguela ou Macau.