Entre Lisboa e Macau

Entre Lisboa e Macau há dezena e meia de horas de voo e algumas outras de espera. Já não vamos de caravela, doze meses de viagem, cruzando três oceanos e arribando em outros tantos continentes. Agora, nossa rota não passa nem pelas Tormentas nem pela Boa Esperança, mas pelo espaço aéreo da antiga rota da seda, quase à maneira de Marco Polo.

É tão longe o sítio para onde vou, nesta viagem que demora. É tão longe, tão fora de mim. Que me levem asas mecânicas, motores, computadores, controladores de radar. Que me levem, esvoaçando, para outro lado do mundo, para o outro lado de mim mesmo. Lá, no mais além do Oriente, onde amanhã devo pousar.

De mar a mar, sem pelo mar seguir, de mar a mar, do Tejo ao rio das Pérolas, lá para as costas do Grã Catai, onde Fernão Mendes Pinto se deixou peregrinar.

Não tarda que avistemos as terras e as ilhas que São Francisco Xavier tentou corromper para o cristianismo. Eis-me descendo para este cantinho da China num avião cheio de contabilistas, gestores e engenheiros que vêm com a ilusão de missionar o free trade o maior país comunista do mundo, tentando converter esta multidão de olhos em bico à grande teologia do mercado, conforme a qualificação do Professor Adriano Moreira. Estes chinas todos que, apesar de serem oficialmente monopolizados por um partido marxista-leninista, bebem Coca Cola, não têm direito à segurança social e enchem com produtos de consumo as prateleiras dos nosso super-mercados ocidentais e das chamadas lojas dos trezentos.

Por sobre os céus da China vou chegando. Já se vê mar, esse novo Mediterrâneo da história, pelo qual damos uma volta antes de apontarmos para o aeroporto. Desembarco em Macau e logo sinto o tropicalíssimo calor que quase nos corta a respiração.