Entre o Soldado Prático e as Esperanças de Portugal

Penso no ambiente do Soldado Prático que irei encontrar, nesse premeditar tostões e milhões que domina quem pousa em Macau para jogar, contratar e negociar, bem como naquela propensão que aí domina alguns detentores do poder quanto à possibilidade de compra de intelectuais, para os poderem usar como simples flor de botoneira.

Sei de todos esses jornalecos de um Portugal dos pequeninos, com a mania das grandezas, onde o decadentismo maledicente dos paparazi de sentimentos e o provincianismo mimético, face ao esquerdismo ou ao reaccionarismo dissolventes da antiga cabeça do Império, se tornaram uma regra com raras, mas honrosas,, excepções. E, entre amor e desamores, vou desembarcando.

Temo, sobretudo, que as esperanças de Portugal não possam florescer nestes últimos dias da nossa presença burocrática e estadual no Oriente. Sei, contudo, que aqui chegou a grei antes da lei e que, por estes lugares, talvez possa  ficar uma certa saudade das coisas boas do nosso universalismo, essa memória de um império sombra, fiel ao abraço armilar, todos esses sinais semeados pelos navegadores, mercadores, aventureiros, missionários ou simples amadores das coisas do mundo que aqui encontraram o seu lugar onde.

Porque Pessanha vale mais que a muita da peçonha das intrigas negociantes. Sobretudo, vale mais que essa espécie de portuga chico esperto armado em vladivostoque (em russo, dominador do Oriente) que só entende este sítio como árvore das patacas.

Confesso que se não me tornei num macaófilo de verso épico ou lírico, também me foi dado beber da fonte do Lilau ou do Nilau, deixando penetrar em mim o mistério da cidade. Fiquei assim susceptível de pedir adesão à pequena grande seita dos amantes de Macau, na senda dos senhores Luís Vaz de Camões, Camilo Pessanha, Almerindo Lessa e António Manuel Couto Viana.

Também ousei seguir teus passos, Wenceslau de Moraes, fazer como Agostinho da Silva, isto é, viver, reaprendendo o sentido dos gestos, para reanimar o corpo e reeducar a mente, saudando o nascer de novo nos sítios do sol nascente. Isto é, ser Ocidente no Oriente, no tal abraço armilar.

A roda do mundo começa aqui a rodar, porque aqui, todos os dias mais cedo, principia o dia. Aqui ganhamos tempo, aqui a vida pode ter mais tempo para não perdermos tempo. Aqui nos podemos esquecer e, diluídos na multidão, olharmos um pouco mais para dentro de nós mesmos. Aqui, o Senhor Deus volta a ter sentido. Sim! Tem de haver algo mais fundo que a infinidade... Quem me dera saber rezar, saudar o mundo, reconhecendo aquela vida além da vida, onde o tempo se volve em trastempo.

A multidão da China é porta aberta para o cosmos, onde o homem pode aceder à dimensão do colectivo mais amplo, ao mais além da humanidade de que somos parcela. Porque só através de nós todos, podemos aceder à imensidão.

Não chega a pequenez de cada um, sozinho em sua vontade, em seu orgulho. Importa ser cidadão do mundo, membro activo do género humano, corrente da espécie. Talvez valha a pena o esforço de vencermos a solidão do indivíduo. Dá mais força sermos porção de um todo forte, sermos elos de uma cadeia, de um movimento de gerações que se prolonga no tempo e para além do tempo, do passado para o futuro e para além do próprio futuro, num mais além a que damos o nome de Deus.

Porque nestes sítios do sol nascente, a metafísica acontece nas coisas mais simples. Na curva de um monte de verde sujo ou nas bolas de neblina que nos dispersam.