O
sítio
Eis o sítio de Macau, uma pequena península
da ilha de Anção (a ilha de Hian-Chan
ou dos Montes Odoríferos), na foz do Si-Kiang,
literalmente, rio do Ocidente, também
dito rio das Pérolas, pelo qual se
sobe até Cantão.
Foi há muito tempo que começou um período
formal que vai acabar no dia 20 de Dezembro de 1999. Não se sabe ao certo
quando os portugueses começaram a visitar e a ficar pelo lugar. Se alguns
cronistas chineses referem a data de 1549, já, segundo outros, foi entre 1549 e
1557.
Segura é apenas a circunstância de, nesta última
data, Leonel de Sousa, capitão mor da
viagem de Goa ao Japão, chegado ao Oriente em 1548 e instalado em Macau
desde 1553, ter obtido formal consentimento das autoridades chinesas para o
nosso estabelecimento. Estávamos no ano da morte de D. João III, depois do próprio
passamento de Maquiavel (1527) e de ter sido fundada a Companhia de Jesus
(1534); depois da Inquisição se ter estabelecido em Portugal (1536), depois de
Copérnico ter exposto as suas teses (1543), depois de se ter dado início ao
Concílio de Trento (1545), depois de São Francisco Xavier ter chegado ao Japão
(1549) e de ter morrido nas praias de Sanchoão (1552) e nas vésperas de D.
Sebastião atingir a maioridade (1568), d’ Os Lusíadas serem publicados (1572) e de Fernão Mendes Pinto
concluir a redacção d’A Peregrinação
(1580).
Sabe-se que, logo em 1513, 15 anos depois da
chegada de Vasco da Gama a Calecute e dois anos depois da tomada de Malaca por
Afonso de Albuquerque, o capitão Jorge Álvares foi enviado oficialmente a
partir desta última cidade para contactar as terras chinesas, tendo aportado em
Tamão (T’un Mun) num junco chinês.
No ano seguinte, idêntica tarefa foi confiada a Rafael Perestrelo e em 1517,
seguiu uma frota comandada por Fernão Peres de Andrade, então nomeado capitão
mor da viagem da China, que alcançou a ilha de Sanchoão. Nessa frota
integrava-se Tomé Pires, que na China deambulou entre 1517 e 1524, chegando
mesmo a contactar a Corte Imperial em Nanquim. Terá sido esta a nossa primeira
embaixada junto do Imperador da China.
Mas os nossos primeiros contactos fracassaram,
dado que tentámos imprimir ao processo um modelo bélico de pirataria, conforme
foi protagonizado por Simão de Andrade, irmão do primeiro capitão mor, que
lhe sucedeu em 1518. Tendo desembarcado em Tamão, sem licença, lançou de
imediato os alicerces de uma fortaleza e assentou baterias, assaltando várias
embarcações na foz do Rio das Pérolas, mas sem conseguir vencer as defesas de
costa chinesas e manchando por várias décadas a nossa imagem nessas paragens.
Assim foram manchadas as relações entre os
portugueses e os chineses até 1554, levando a que o Imperador proibisse o comércio
com todos os diabos estrangeiros.
Por isso, voltou a frustrar-se a segunda
embaixada mandada por D. Manuel I em 1521, dirigida por Afonso de Melo Coutinho,
tendo a sua esquadra sido atacada em Tamão. A partir de então e até 1541 não
há novos contactos oficiais com o Celeste Império, muito embora continuassem
as trocas clandestinas de mercadorias a norte dessa região, nas províncias de
Fukien e Chekiang, surgindo feitorias provisórias em Liampó e Chincheu,
principalmente depois de termos atingido o Japão em 1542.
Expulsos dessas feitorias provisórias em 1548
procurámos encontrar novo poiso permanente a sul de Cantão. Tentámos primeiro
Sanchoão, onde até 1553, tínhamos uma espécie de feira anual e o mesmo
fizemos em Lampacau. A presença passava a ser premente, até porque, a partir
de 1550, começámos a exercer o monopólio de facto, nas relações comerciais
entre chineses e japoneses, transportando seda para o Japão e trazendo prata
para a China. Em 1553 já tínhamos autorização para secar nas praias da zona
de Macau, os produtos que molhávamos no transporte. Em 1554, já surgia uma
feitoria permanente no local, resultante da concentração dos anteriores núcleos
portugueses na zona. Em 1555 passávamos a ter permissão para fazermos uma
feira annual em Cantão. Em 1556-1557, limpávamos a zona da acção de um
importante grupo de piratas chefiado por Chan-Si Lau. Finalmente, surgia o
acordo para o assentamento, firmado entre o nosso capitão
da viagem e Wan Pé, o Haitão de Cantão, que então exercia as funções
de inspector das costas e dos portos, onde a permanência se pagava com uma taxa
de 10% sobre as mercadorias desembarcadas.
Aliás, é logo em 1563 que chegam a Macau os
três primeiros jesuítas que, em 1565, levantam uma primeira residência. Sem
chefe nem lei, conforme referem cartas sobre a terra dessa própria época,
vão vivendo no assentamento cerca de novecentas almas das mais diversas proveniências.
Em 1568, surge a primeira cerca amuralhada. Em 1569, por acção do patriarca D.
Melchior Carneiro Leitão, quando aí vivem cerca de mil pessoas, instituem-se a
Santa Casa da Misericórdia e o Hospital de São Rafael. Em 1571, surge a
primeira escola, junto à residência dos jesuítas. Em 1573, a Igreja da Madre
de Deus, que era de madeira, recebe a primeira telha, surgindo também, por
iniciativa das autoridades chinesas, a porta do limite ou do Cerco (Kuan-Chap) que passa a separar a península de Macau da restante
ilha, para que os mandarins melhor pudessem controlar o abastecimento de víveres
e o acesso à china dos residentes, temendo-se, particularmente, a incursão dos
escravos negros que aí mantínhamos.
Não tarda o reconhecimento exterior desta
realidade, quando, em 1576, o papa Gregório XIII institui o bispado português
de Macau, com jurisdição sobre toda a China, o Japão, a Coreia e as
ilhas adjacentes. Dois anos depois acontecia Alcácer Quibir.