Um
concelho à antiga portuguesa
Eis Macau, esta pequena polis mais próxima de um concelho à antiga portuguesa do que de
uma pretensiosa cidade-Estado, como
Singapura, esta comunidade que veio de baixo para cima e que, só depois de
estar estabelecida, foi reconhecida pela Coroa e pelo Papa.
Cada terra tem as suas palavras chaves, os seus
cheiros, as suas vistas e alguns sítios que lhe servem de ex
libris. Só em Macau há as ruínas de São Paulo e as ilhas da Taipa e de
Coloane. Só por aqui há um Leal Senado
e se pode ter uma chegada em jetfoil.
Só aqui há lojas de fitas, mercearias,
quinquilharias, benda de peixes bropicais, sarilho de mangueira, lojas de animação
cósmica, toda essa ingenuidade de placas em linguagem arcaica, com que o
português macaense do doce papiá vai
traduzindo as parangonas chinesas.
Comecemos pelo nome Macau, originário da deusa
Neang Ma, uma espécie de Nossa
Senhora da Boa Viagem que, ao fazer deste sítio um porto seguro, lhe deu signo.
Diz a lenda que in illo tempore tal senhora terá salvo a população de um junco e
que esta, cumprindo um voto, tratou de construir um altar na praia, em invocação
de tal deusa.
Deram-lhe o diminutivo de A-Ma. E não tardou que o lugar passasse a ser conhecido por porto
de A-Ma, ou seja A-Ma-Kao. Eis o nome de Macau, onde cau é porto e Ma, nome de
deusa, isto é, porto seguro graças à divindade. Eis o génio invisível desta cidade, esta senhora meia deusa, meia
mulher, este espírito que se diluiu na bruma e que vai penetrando todos os que
querem ascender ao esotérico do lugar.
Porque não há cidade que dure que não
construa o seu altar, o sítio central que a faz desafiar a eternidade e a
transforma em instituição que vai além do curto período de vida das várias
gerações que nela passam a viver.