13 - A procura da ciência política.
Em todas as nossas anteriores publicações sobre matérias politológicas insistimos na circunstância de haver uma profunda diferença entre o estudo da política e o aparecimento de uma disciplina intelectual autónoma chamada ciência política, cujos cultores são designados pela categoria de political scientists ou politólogos.
Reconhecemos também a dificuldade do estabelecimento do objecto material e do objecto formal da disciplina em causa. Trata-se, aliás, de matéria que, no âmbito da literatura comparada, tem, desde sempre, sido alvo de amplas controvérsias.
Quem ler o verbete political science desse monumento de síntese que é A Dictionary of Political Thought, dirigido por Roger Scrutton e inspirado nos modelos de Michael Oakeshott, verificará que tal província do saber é considerada como uma disciplina de muitas disciplinas, por vezes contraditórias, que, por exigir uma incorporação e uma síntese, ainda não atingiu o nível da obra feita, não passando de uma ambição, de um projecto.
É natural que a disciplina seja, portanto, uma discipline divided, como salienta Gabriel Almond, ou uma introuvable science politique, como salientava Pierre Duclos. O que leva, para glosarmos David Ricci, àquela tentativa de conciliarmos a fidelidade aos valores com as metodologias científicas modernas, ou então à procura da harmonia entre um homem racional e uma sociedade irracional.
Por nós, preferimos trilhar as vias da ambição, procurando o introuvable, mesmo que através de meandros trágicos, sem abdicarmos daquelas perspectivas que apenas admitem uma sociologia política, uma antropologia política, uma economia política, um direito político, uma teologia política ou uma filosofia política. Isto é, não nos resignamos em reduzir a ciência política a simples adjectivos de outros saberes ou a mero conjunto de ciências auxiliares de uma arte de governar, como transparece da expressão ciências políticas. Porque, quando se aceita a predominância desta última designação, cede-se àquele sincretismo genético que pretende manter-se para salvaguarda dos novos mandarins e dos novos planeadores.
Contudo, tentar firmar a autonomia da ciência política contemporânea em anteriores raízes pode levar-nos ao anacronismo de a filiarmos em movimentos tão remotos quanto a episteme politike de Aristóteles, a doctrina politica de São Tomás de Aquino, a civil philosophy de Hobbes, a de republica doctrina de Vico, a science politique de Comte ou a Staatswissenschaft de Hegel.
Pode, por outro lado, reconduzir-nos à falsa modéstia de a qualificarmos, de novo, como a ciência arquitectónica da cidade, esse saber supremo, quase esotérico, que dominaria a economia e a ética e incluiria no seu seio a própria religião, num regresso a fundamentalismos bizantinistas ou cesaropapistas, incapazes de estabelecerem adequadas fronteiras entre o sagrado e o profano, dizendo que a cidade-Estado é também uma cidade-Igreja, através daquela primauté do politique que não aceita o primado do espiritual e até se convence, em nome de um direito de cultos, que a César pertence tudo.