15 - École Libre des Sciences Politiques e a procura de L’État Savant.
Já a francesa École Libre des Sciences Politiques, que teve como inspirador Émile Boutmy, autor de Essai d’une Psychologie Politique du Peuple Anglais au XIXème Siècle [1901], está na origem das chamadas Science Politiques da Rue de Saint-Guillaume, isto é, tanto da Fondation Nationale des Sciences Politiques como do Institut d'Études Politiques de Paris, entidades surgidas a partir de 1945. Fundada depois da guerra franco-prussiana, quando a nova administração francesa vivia em maré de reconstrução nacional, a escola recebeu os contributos do triunfante positivismo, bem como do nascente psicologismo, e teve de responder aos desafios do intervencionismo do État-Providence gerado por Napoleão III. Aliás, na altura, a expressão ciência política passou a significar o estudo da psicologia dos povos, marcada pelo nacionalismo místico do republicanismo francês que iniciou a procura de coisas como o carácter nacional, a consciência nacional, a alma dos povos ou a personalidade básica das nações.
Aliás, as sciences politiques à francesa, marcadas pelos desafio da derrota face aos alemães transformaram-se numa espécie de irmão-inimigo das ciências cameralísticas do vizinho de além-Reno. Émile Boutmy, por exemplo, insistia na necessidade do estudo das causas que levaram à guerra, procurando fazer uma história contemporânea, ou uma história do presente, contra os modelos de história antiga. Já o sociologismo positivista procurava fazer uma comparação estrutural e tendia a perspectivar as forças e as fraquezas de cada povo.
Este modelo ressurgirá depois da Primeira Grande Guerra de 1914-1918, quando as forças armadas francesas instituem um Centro de Estudos Germânicos em Estrasburgo, para o estudo do inimigo. Curiosamente, é deste Centro - onde ensinará, por exemplo, René Capitant - que surgem das primeiras análises ao fenómeno do totalitarismo nazi. São também alguns dos militares formados na mesma entidade que constituem um dos núcleos iniciais da parte não-comunista da própria Resistência. Hoje, o Centro, integrado na Universidade Robert Schuman, é parceiro do próprio Instituto de Estudos Políticos, instituído em 1945, trabalhando em conjunto com o Instituto Superior de Estudos Europeus, sendo marcante, em todos eles, o culto pela memória gaullista.
De qualquer maneira, a École Libre passou a entender as sciences politiques como uma nova science royale para uso da III República, gerando-se um centro fundamental de formação das novas elites administrativas francesas, de acordo com uma das divisas do próprio Boutmy, defensor de l’empire de l’esprit et le gouvernement par les meilleurs. O Estado-cérebro social só poderia pensar e actuar através das suas elites.
O trabalho mais significativo da primitiva escola é o de Charles Benoist, La Politique [1894], que parte da tríade Estado, Soberania, Governo para, em seguida, analisar O Poder Político, findando com a análise dos Órgãos e Funções do Estado. Outras obras da mesma geração são os de Léon Donnat, La Politique Expérimentale [1885], e de Théofile Funck-Brentano, La Politique. Principes, Critiques, Réformes [1892]. Na mesma linha, destaque para os precedentes Principes de la Science Politique de Esquirou de Parieu, surgidos em 1870, quando a ciência política ainda queria dizer, à maneira do krausismo, filosofia histórica, social e moral, modelo que ainda será seguido por Edmond Chevrier, em Les Éléments de la Science Politique [1871], por Paul Janet, em Histoire de la Science Politique dans ses rapports avec la Morale, na segunda edição de 1872, e por Émile Acollas, em Philosophie de la Science Politique [1877].
Em todos estes trabalhos, o sociologismo positivista mistura-se com as primeiras reflexões francesas sobre o intervencionismo estadual, invocando-se tanto o socialismo catedrático alemão como a Escola Social de Le Play. A obra de Paul Leroy-Beaulieu (1843-1916), L’État Moderne et ses Fonctions, 1890, constitui uma espécie de magna glosa de toda essa geração.
De qualquer maneira, a École Libre apenas procedia ao estudo das diversas ciências políticas, como a economia, as finanças, o direito público e as doutrinas. Em 1886 criavam-se os Annales de l’École Libre des Sciences Politiques e, em 1900, já se organizava um Congrès des Sciences Politiques. No mesmo sentido, refira-se a criação em Florença da Scuola Cesare Alfieri di Scienze Sociali, donde emergirá, a partir de 1883, a Rassegna di Scienze Sociali e Politiche.
Voltando a França, importa salientar o aparecimento de novas publicações periódicas, como Année Politique, a partir de 1875, Revue Politique et Parlementaire, em 1894, e Revue de Droit Public et de la Science Politique, 1894.
Na literatura francesa, o positivismo sociologista era marcante nas obras de Alfred Espinas (1844-1922), especialmente em Les Societé Animales [1877], onde desenvolvia o princípio da sociedade como organismo, Alfred Fouillée (1838-1912), em Psychologie des Idées-Forces [1893], La Science Social Contemporaine [1880] e Psychologie du Peuple Français [1898]. Do mesmo modo, importa destacar uma galeria de autores onde se inscrevem os francófonos Émile Durkheim, com La Division du Travail Social [1893] e Les Régles de la Méthode Sociologique [1894] [1], Guillaume de Greef, em L’Évolution des Croyances et des Doctrines Politiques [1895], Lucien Lévy-Bruhl, em La Morale et la Science des Moeurs [1903] e Les Fonctions dans les Societés Inférieures [1909], bem como René Worms (1869-1926), em Organisme et Societé [1896] e Philosophie des Sciences Sociales [1904].
Durkheim, um normalien agregado em filosofia e doutor em Letras, acreditando na sociologia como o estudo estatístico dos factos sociais e almejando descobrir leis sociológicas, excluía o estudo da política do campo da sociologia, dado que as coisas políticas (dava o exemplo das guerras, das intrigas dos cours e das assembleias, bem como dos actos dos homens de Estado), porque ne sont jamais semblables à elles-mêmes: on ne peut donc que les raconter, et, à tort ou à raison, elles semblent ne procéder d’aucune loi définie (...) En tout cas, si ces lois existent, elles sont des plus difficieles à découvrir [2]. Até a própria psicologia social de Gabriel Tarde (1843-1904) e Gustave Le Bon (1841-1931) era olhada com desconfiança pelo mesmo autor, dado tratar des croyances politiques, de la diplomatie, etc. [3].
Com este leque de autores, que pretende tratar a sociedade como uma coisa, surgem as ciências sociais típicas daquilo que François Châtelet qualifica como L’État Savant, um modelo de intervencionismo que pretendia mais administrar as coisas do que governar os homens. Gerou-se, inclusive, um certo messianismo reformista que ousou criar uma terapêutica de reformas sociais e que chegou a confundir a sociologia com o socialismo - em que nem a sociologia era aquilo que hoje se entende por sociologia nem o socialismo se identificava com a actual doutrina política que transporta esse nome, dado que ambas as expressões se diluíam numa nebulosa que poderemos qualificar como o social-ismo ou o ismo do social. Assim, em 1909, Alfred Fouillée escrevia Le Socialisme et la Sociologie Réformiste e Enrico Ferri, la Sociologie sera socialiste ou ne sera pas, depois do quarto Congresso do Institut International de Sociologie, fundado por Worms em 1893, ter tido como lema matérialisme historique comme méthode de la science sociale [4].
Veja-se, por exemplo, a teoria de Léon Duguit que concebe o Estado, não como um poder soberano, mas como uma cooperação de serviços públicos, organizados e controlados pelos governantes para executarem meras funções de gestão. Acontece que esta função de gestão, em vez de comprimir o poder estadual, acabou por multiplicá-lo fornecendo-lhe uma nova legitimidade: a prestação dissimula a dominação e justifica a intervenção estadual em sectores que, em princípio, estavam reservados à iniciativa individual e limitados pelos sacrossanto direito de propriedade [5].
Hippolythe Taine (1828-1893), o historiador de Les Origines de France Contemporaine, obra publicada entre 1876 e 1896, é também um dos principais influenciadores do ambiente cultural em que se desenvolveram as origens da École Libre. Do mesmo modo, Philippe Benjamin Joseph Buchez (1796-1865) que, no Traité de Politique et de Science Sociale, publicado postumamente em 1866, tenta conciliar o cristianismo com o socialismo não-marxista.
Contudo, é fora da École Libre e dos limites do positivismo que, da cultura francesa, nos vem um modelo claramente politológico, a obra de Alexis de Tocqueville (1805-1859), com destaque para De la Démocratie en Amérique, em dois volumes, publicados respectivamente em 1835 e 1840, seguida por De l’Ancien Régime à la Révolution [1856]. E aqui importa também referir Pierre-Guillaume-Frédéric le Play (1806-1883), autor de La Réforme Sociale en France [1864], e de Les Ouvriers Européens [1885]. Mas só com André Siegfried, em Tableau Politique de la France de l’Ouest [1913], se esboça uma via próxima do actual conceito de ciência política.
É neste contexto que os grandes juristas do direito público francês acabarão por preponderar, a partir do momento em que as faculdades de direito rejeitam a inclusão de uma nascente sociologia marcada pelo gnóstico social-ismo, optando pela criação, logo em 1895, de um Doctorat en Droit, Menction Sciences Politiques et Économiques.
Em primeiro lugar, Léon Duguit, com L’État, le Droit Objectif et la Loi Positive [1901], e Traité de Droit Constitutionnel [1911], em cinco volumes. Da mesma forma, Maurice Hauriou, em Principes de Droit Public, 1910, e Précis Élémentaire de Droit Constitutionnel [1925]; A. Esmein, Éléments de Droit Constitutionnel Français et Comparé [1895]; e Raymond Carré de Malberg, Contribution à la Théorie Générale de l’État, spécialement d’Après les Données Fournies par le Droit Constitutionnel Français [1920].
[1] Durkheim mantém os principais postulados do organicismo, considerando que existe uma consciência colectiva, a qual, em lugar de resultar das consciências individuais, produziria estas últimas: tudo o que existe na consciência individual deve ser atribuído à pressão social e a única liberdade do indivíduo é a de individualizar em si a consciência colectiva. E isto porque a sociedade não se reduz a uma simples soma de indivíduos, mas o sistema em que se traduz a respectiva associação e que representa uma realidade específica, dotada de caracteristicas próprias. Enquanto os contra‑revolucionários Bonald e Maistre adoptavam um organicismo tradicionalista que exigia a identidade entre o órgão e a função, em nome do princípio da divisão do trabalho Durkheim considera, pelo contrário, que as estruturas da sociedade podem mudar de função e que uma dinâmica divisão do trabalho implica o aparecimento de novas estruturas e, consequentemente, de novas formas de poder: quanto mais as sociedades se desenvolvem, mais o Estado se desenvolve; as suas funções tornam‑se cada vez mais numerosas, penetram, além disso, todas as outras funções sociais que o mesmo concentra e unifica por isso mesmo. Os progressos da centralização são paralelos aos da civilização. Assim, refere que o Estado estende progressivamente sobre toda a superfície do território uma rede cada vez mais apertada e complexa de ramificações que se substituem aos órgãos locais pré‑existentes ou os assimilam.
As teses de Durkheim constituem uma amálgama de hegelianismo e organicismo, conforme a expressão de Jouvenel, levam à consideração do Estado como cérebro social, o órgão que está encarregado de representar o corpo social no seu conjunto e de o dirigir. Trata‑se, aliás, de uma teoria que procura superar a incapacidade demonstrada pelo liberalismo da época perante a pressão dos grupos intermediários. Para ele, toda a vida do Estado propriamente dito passa‑se não em acções exteriores, em movimentos, mas em deliberações, isto é, em representações, pelo que a sua função essencial é a de pensar e não executa nada. É, assim, entendido como a sede de uma consciência especial, restrita, mas mais alta, mais clara, tendo dele mesmo um mais vivo sentimento, situando‑se de tal modo longe os interesses particulares que não pode ter em conta condições especiais, locais, etc., nas quais se encontram. Considera também que o Estado é o órgão do pensamento social. Não que todo o pensamento social emane do Estado. Mas está lá de duas formas. Uma vem da massa colectiva e é difusa: é feita destes sentimentos, destas aspirações, destas crenças que a sociedade elaborou colectivamente e que estão dispersas em todas as consciências. A outra é elaborada neste órgão especial que se chama Estado ou governo... Uma... permanece na penumbra do subconsciente. Mal nos damos conta de todos estes preconceitos colectivos... Toda esta vida tem qualquer coisa de espontâneo e de automático, de irreflectido. Pelo contrário, a deliberação, a reflexão, é a característica de tudo o que se passa no órgão governamental. É verdadeiramente um órgão de reflexão. Neste sentido, o papel do Estado não é de exprimir o pensamento irreflectido da multidão, mas de acrescentar a este pensamento irreflectido um pensamento mais meditado e que, por consequência, tem de ser diferente. O Estado surge, pois, como um mecanismo de comunicação e de transmissão de informações, bem como um instrumento neutro e funcional, claramente separado da sociedade.
[2] Apud Catherine Rouvier, Sociologie Politique, Paris, Litec, 1995, p. 142.
[3] Idem, p. 143.
[4] Idem, pp. 144-145.
[5] François Châtelet e Éveline Pisier-Kouchner, Les Conceptions Politiques du XXème Siècle, p. 655.