20 - As influências de Darwin e Spencer.

 

Não se pense que a nova disciplina da ciência política seguirá os ditames do normativismo alemão que marcaram Burgess. Bem pelo contrário. Em vez de Hegel, os norte-americanos preferem seguir Charles Darwin (1809-1882) e Herbert Spencer (1820-1923), pelo que o subsolo filosófico onde se enraíza a nova disciplina é marcado pelo positivismo, pelo utilitarismo e pelo evolucionismo, para, depois, explodir com o pragmatismo e o behaviorismo.

Contudo, a herança hegeliana continua a marcar a distinção entre a teoria e a prática, fazendo-se uma oposição entre a dimensão subjectiva ou ideal das instituições públicas ou de uma doutrina e a respectiva dimensão objectiva ou institucional.

Aliás, os chamados conceitos analíticos com que se faziam as viagens de estudo pelo concreto derivavam da chamada teoria política, então entendida como uma espécie de história das ideias políticas, dos Gregos até à actualidade, e considerada como uma das divisões da ciência política.

Com efeito, a partir de 1900, o crescimento da disciplina inseriu-se num ambiente de luta contra aqueles que, muito pejorativamente, eram qualificados como teóricos, filósofos, sonhadores e utopistas. Curiosamente, muitos dos principais desses realistas provinham das letras, do direito e da própria teologia, assumindo um neodogmatismo ilusoriamente antidogmático que, dizendo lutar contra as ideias gerais, as crenças, a metafísica e a teologia, levou ao reforço da ideia geral de não haver ideias gerais, a crendice de não haver crença, o sucedâneo metafísico do gnosticismo e o pseudo-religiosismo da anti-teologia, cobrindo toda essa nebulosa com as obscurantistas e reaccionárias designações de ciência e progresso.

Nesta reacção, destaca-se, então, o magistério de Abbot Lawrence Lowell (1856-1943) professor de Science of Government em Harvard, desde 1900, que apela para a análise das forças vitais que estariam além das formas, propondo a utilização da estatística e do estudo da opinião pública, e defendendo a necessidade do que denominará fisiologia da política, dado considerar que o principal laboratório da ciência política não estaria nas bibliotecas, mas no mundo da vida pública.

O movimento é também influenciado pelo crescendo dos estudos sociológicos que, invocando o verdadeiro liberalismo contra o estatismo, proclamam a necessidade do estudo da sociedade. Nesta linha, também se insere o antigo teólogo William Graham Sumner (1840-1910), professor da cadeira de Political and Social Sciences, de Yale, autor de What Social Classes Owe to Each Other, New York, 1883, bem como Lester Frank Ward (1841-1913), autor de Dynamic Sociology [1883], Psychic Factors in Civilization [1896], e Applied Sociology [1906] que advogava o malthusianismo [1].

A esse sociologismo, que defendia uma sociocracia contra o individualismo, acrescentar-se-á o pragmatismo de William James (1842-1910) e de Charles Sanders Peirce (1839-1914), bem como o chamado instrumentalismo de John Dewey (1859-1952), professor na Universidade de Chicago de 1894 a 1904, e na Universidade de Columbia (New York) de 1904 a 1929 [2].

Desenhou-se assim um movimento dito realista que se insurgiu contra o que se qualificava, então, como normativismo, o da germânica ciência do Estado (Staatswissenschaft), também dita teoria geral do Estado (Allgemeine Staatslehre). Era a época áurea do darwinismo e da consequente sociologia de luta, ao mesmo tempo que o organicismo se impregnava de psicologismo.

Vive-se também o ambiente de fin de siècle, naquele período tão magistralmente retratado por Barbara Tuchman em The Prowd Tower, quando se fazia um apelo às forças vivas anti-racionalistas, tanto à maneira do super-homem de Nietzsche, como do élan vital de Bergson.

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[1] Sobre a matéria, Raymond G. Gettel, op. cit., pp. 525-526.

[2] Sobre a matéria, Óscar Soares Barata, «O Ensino da Sociologia nos Estados Unidos», in Estudos Políticos e Sociais, vol. VII, nº 3, 1969, pp. 639 segs..