42 - A angústia dos jusnaturalistas católicos.
Se consultarmos as actas do primeiro curso das Semanas Sociais Portuguesas, o primeiro curso de 1940, publicadas com o título Aspectos Fundamentais da Doutrina Social Cristã, Lisboa, Edições da Acção Católica Portuguesa, 1940, poderemos encontrar interessantes textos de alguns importantes professores de direito da época, como os de Fezas Vital, o presidente da Comissão permanente das mesmas jornadas, José Gabriel Pinto Coelho e Mário Figueiredo. Fezas Vital na introdução ao curso, intitulada Existência, Legitimidade e Princípios Fundamentais, Orientadores, da Doutrina Social Católica, assume, sem equívocos, um humanismo activista, quando considera que se o sacrifício pela Pátria é um dever, a defesa da integridade moral da Pessoa, mesmo contra a Pátria, sê-lo-á também... aquele que, para salvar a Pátria, perde a alma, desconhece a tábua dos valores, ignora a hierarquia dos deveres cristãos, sacrificando o substancial ao acidental, o imoral ao temporal, ao contingente; aquele que, em nome da Nação, viola os preceitos morais, não cumpre o seu dever [1]. Concluindo, o mesmo autor proclama que jamais o bem comum poderá exigir a prática de actos em si moralmente condenáveis. Em tal caso, não haveria bem comum, mas simples aparência de bem comum; não haveria prosperidade humana da Nação, mas, porventura, simples prosperidade material [2].
No mesmo curso, o texto do Padre Paulo Durão, S. J., intitulado Político e Sentido Cristão, constitui um primor de teoria neotomista, centrado contra os divinizadores do Estado e os que, fechados num positivismo sem horizontes, declaram que o Estado é um todo orgânico, regido por leis físicas e biológicas, tão independentes da moral como as do organismo humano [3].
Salienta-se, contudo, o incisivo estudo de Artur Bivar, sobre o Totalitarismo, em que, sem equívocos, se faz uma demolição das experiências e das teorias então vigentes na Rússia, na Alemanha e na Itália, onde o indivíduo é submergido na massa, entregue aos cuidados dos seus médicos profanos para os quais se transferiu, na medida do possível, o atributo divino da omnipotência. Em qualquer deles, a pessoa humana não tem direitos subjectivos superiores e anteriores ao Estado; o Estado é o criador de todo o direito, todos os direitos que o indivíduo possuir é o Estado que lhos concede [4]. Não deixa mesmo de se distanciar da chamada teoria da autolimitação da soberania do Estado, presente em Jhering e Jellinek, por esta não admitir a existência de um direito natural, fundado na essência das coisas, que possa obrigar o Estado a ter um certo comportamento perante as pessoas e as entidades menores com as quais entra em relação [5]. Considera assim que não havendo liame moralmente imperativo, o Estado que ultrapassasse os limites livremente escolhidos não cometeria nenhuma lesão da ordem, nenhuma culpa ou delito; o próprio acto com que lesa o direito seria direito, direito novo! E seria impossível encontrar um critério qualquer de distinção entre o acto do Estado lícito e o acto do Estado ilícito. Para remover a aparência de ilegalidade, bastará alterar o direito vigente. E quem pode juridicamente impedir que o Estado mude de opinião e inverta as condições antes existentes? Se o direito é, por teoria, emanação da livre vontade do Estado, fica sempre à mercê dessa vontade, que o pode alterar a seu talante, abrogar ou suprimir. Desde que o direito não deriva duma ordem objectiva, ontológica, sendo por isso anterior e superior à vontade soberana, não há, não pode haver dique jurídico contra o arbítrio do Estado. Se o direito se concebe como acto subjectivo da vontade do Estado, não há ordem jurídica que valha para tornar impossível ao Estado o actuar diversamente, porque o Estado no próprio acto em que opera diversamente esta criando o novo direito [6].