45 - O esquecimento de Luís Cabral de Moncada.

 

Tal como tinha acontecido no século passado com Silvestre Pinheiro Ferreira, eis que, no século XX, as glosas em torno do ensino do direito político não foram influenciadas pelo nosso principal dos pensadores sobre o político, Luís Cabral de Moncada, professor da Faculdade de Direito de Coimbra entre 1920 e 1958, autor de uma obra que marca um ponto alto na reacção contra o positivismo, cabendo-lhe a introdução em Portugal dos autores neo-kantianos da Escola de Baden. Com efeito, Moncada, marcado pelo culturalismo, desenvolveu este axiologismo pelo fenomenologismo, aproximando-se de muitas posições da chamada ética material dos valores de Max Scheler e Nicolai Hartmann.

Politicamente formado na matriz do Integralismo Lusitano e, depois de ter dado alguma colaboração ao nacional-sindicalismo de Rolão Preto, foi um dos apoiantes do salazarismo. Se consultarmos um texto de 1936, O Dever da Hora Presente, o mesmo autor, ao sintetizar o seu pensamento político, dizia: peçamos ao Socialismo algo da sua matéria; ao Nacionalismo a forma; ao Cristianismo o sentido [1]. Aí também referia que o sentido fundamental da Cultura europeia era o personalismo e o igualitarismo ético - o culto da personalidade e o culto da igualdade na dignidade moral de todos os homens [2], reclamando do socialismo, contra a democracia política formal, a ideia forte, avessa a ficções e formalismos jurídicos ou filosóficos, que se chama a ideia de dignidade humana - igualdade moral, social e económica; não duma igualdade no plano do ser, daquilo que é, plano em que tal noção não tem sentido, mas duma igualdade no plano do dever-ser, onde ela constitui um ideal moral inatacável [3].

Esta forma mentis, inconciliável com as modas do pós-guerra, não teve potencialidades para uma vulgarização, dado ser incompatível com o regime vigente e com os modelos do oposicionismo. Daí que não se reparasse na profunda originalidade de algumas das reflexões políticas deste mestre de Coimbra, das quais são de destacar Do Valor e Sentido da Democracia [1930], Universalismo e Individualismo na Concepção de Estado. São Tomás de Aquino [1946], Teoria e Ideologia em Política [1946], Do Conceito e Essência de Político [1961], Democracia [1962], Problemas de Filosofia Política [1963], bem como a monumental Filosofia do Direito e do Estado. II - Doutrina e Crítica [1966].

 


 

[1] Luís Cabral de Moncada, «O Dever da Hora Presente», in Estudos Filosóficos e Históricos, II, p. 277.

[2] Idem, p. 272.

[3] Idem, p. 263.