48 - Estudos políticos na era pós-revolucionária.
No terreno politológico propriamente dito, isto é, do tratamento da ciência política como disciplina intelectual independente, ficou solitário o manual do Professor Adriano Moreira, Ciência Política [1979], a única grande oeuvre de autor publicada em Portugal, na linha das reformas introduzidas na Columbia University em 1880.
Merece também referência marcante a obra colectiva Polis. Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, editada entre Janeiro de 1983 e Abril de 1987, na qual se reúnem colaborações politológicas de alta valia, tanto dos nomes consagrados na área do constitucionalismo como de jovens estudiosos já marcados pelos modelos metodológicos dominantes na ciência política norte-americana e dos seus reflexos europeus. Contudo, o programa da enciclopédia nunca pretendeu pisar o terreno da autonomia material e formal da ciência política, dado que apenas foi assumido o horizonte das ciências políticas [1].
Entre os artigos politológicos, destaque para os de Adriano Moreira (Acção Política, Apaziguamento Ideológico, Ciência Política, Conceitos Operacionais, Imperialismo, Instituição, Legitimação, Poder Moderador, Nação, Neutralismo, Ocidente, Razão de Estado, Regime Político, Relações Internacionais, Teoria Política, Totalitarismo) e de outros professores do ISCSP, como Óscar Barata (Racismo, Segregação), José Júlio Gonçalves (Negritude ) e João Baptista Pereira Neto (Coesão Social, Hierarquia, Padrões, Persuasão).
Da Faculdade de Direito de Lisboa, surge o grupo dos constitucionalistas, como Jorge Miranda (Representação Política, Sistemas Eleitorais, Social-Democracia), Marcelo Rebelo de Sousa (Bipartidarismo, Bipolarização, Partidos Políticos, Partidos Políticos Portugueses) e Rui Machete (Aliança, Análise Política), bem como o historiador do direito Martim de Albuquerque (Doutrina Política, Ideologia Política, Legitimidade, Pensamento Político, Política). Colaboram também os jovens assistentes José Manuel Durão Barroso (Decisão Política, Desenvolvimento Político, Disfunção, Educação Política, Estrutura, Função, Funcionalismo, Influência, Integração Política, Mercado Político, Perspectiva Básica, Poder) e Guilherme de Oliveira Martins (Frente Popular, Reformismo, Trabalhismo). Da Faculdade de Direito de Coimbra, refira-se José Carlos Vieira de Andrade (Pluralismo, Unidade).
Outras colaborações são de destacar, como as de José Miguel Júdice (Atitude Política, Bonapartismo, Cesarismo, Classe Política, Clube Político, Ditadura, Grupo de Pressão, Modelo Cibernético ), Manuel Antunes (Mito, Utopia), João Bigotte-Chorão (Nacional-Socialismo, Salazarismo), Manuel Braga da Cruz (Estalinismo, Processo Burocrático), José Valle de Figueiredo (Anarquismo, Blanquismo, Desviacionismo, Frentismo, Maximalismo, Nacionalismo, Revisionismo, Sovietismo, Terrorismo, Trotskismo), J. Pinharanda Gomes (Messianismo), Jorge Borges de Macedo (Absolutismo, Despotismo, Elite, Luta de Classes, Minoria, Progresso, Revolução, Violência), Henrique Barrilaro Ruas (Filosofia Política, Liberalismo, Tradicionalismo) e Maria José Stock (Comunidade, Multipartidarismo).
O grupo da revista Futuro Presente está bem representado por Jaime Nogueira Pinto (Aristocracia, Autoritarismo, Bolchevismo, Carisma, Chefe, Comunismo, Conservadorismo, Contra-Revolução, Demagogia, Direita, Esquerda, Fascismo, Golpe de Estado, Guerrilha, Jacobinismo, Militares, Política, Terror ), António Marques Bessa (Caciquismo, Clientelismo, Corrupção, Dominação, Oligarquia, Revolta, Tiranicídio, Xenofobia) e Nuno Rogeiro (Culto da Personalidade, Nepotismo, Poliarquia, Reacção, Realismo, Subversão, Tecnoestrutura ).
O grupo da revista Futuro Presente, marcado pelo modelo ideológico da Nova Direita na linha de Alain de Bénoîst e pelo conceito de ciência política do movimento empírico-analítico, inspirado nos modelos de Norberto Bobbio, é dominante nos temas da sociologia política e das doutrinas políticas [2]. António Marques Bessa, um dos principais introdutores em Portugal dos temas de etologia de Konrad Lorenz e Robert Ardrey, publicará, nesta linha, as seguintes obras: Ensaio sobre o Fim da Nossa Idade, Lisboa, Templo, 1978, Introdução à Etologia. A Nova Imagem do Homem, Lisboa, Templo, 1978, e Dicionário Político do Ocidente, Lisboa, Intervenção, 1979. Já no plano universitário são de destacar, deste autor, Quem Governa? Uma Análise Histórico-Política do Tema da Elite, Lisboa, ISCSP, 1993 (dissertação de doutoramento) e A Arte de Governar, Lisboa, ISCSP, 1996. Entretanto, com Jaime Nogueira Pinto, editou Introdução à Política, Lisboa, Templo, 1978, uma obra destinada a servir de roteiro para alunos do ensino secundário, em que é marcante um estrito cientismo de linha neopositivista. De Jaime Nogueira Pinto, para além de relevantes artigos na revista Futuro Presente, como Introdução a Maquiavel [1980], Vontade Política e Poder Nacional [1980], A Direita e as Direitas [1981], Romantismo e Revolução nos Princípios do Século XIX [1982], Pensamento e Estado nos Séculos XVII e XVIII [1981], A Direita em Portugal. Notas para uma Auto-Crítica e Projecto [1982], Portugal 1983. Uma Situação Bonapartista [1983], Nação, Estado e Sociedade Civil [1984], Estratégia Indirecta, Poder Político e Comunicação [1986], são de destacar os testemunhos doutrinários contidos em O Fim do Estado Novo e as Origens do 25 de Abril, Lisboa, Difel, 1995, e A Direita e as Direitas, Lisboa, Difel, 1996. De Nuno Rogeiro, destacam-se alguns inovadores artigos na mesma revista, como A Política em Pessoa [1980] e A Política como Arcano. Memória de Eric Voegelin [1986], bem como o interessante exercício sobre o estado da arte, constante em O que é a Política, Lisboa, Difusão Cultural, 1993.
Entre as colaborações na referida enciclopédia de jovens valores, é justo destacar o preciosismo estilístico de José Manuel Durão Barroso que, depois de uma pós-graduação em Genebra e antes de uma carreira governamental, será também dinamizador de um Instituto de Estudos Políticos, juntamente com Pedro Santana Lopes, entidade que chegou a editar uma Revista de Ciência Política [3] e a lançar um curso livre de ciência política. Barroso, que também colaborou na revista Análise Social e no boletim Prospectivas da Fundação Oliveira Martins, ligada ao PSD e sob a direcção de Rui Machete, representa o que de mais fiel às escolas sistémicas norte-americanas foi publicado pela politologia portuguesa [4].
Em posição paralela, importa também salientar a obra de Joaquim Aguiar, principalmente A Ilusão do Poder [1983] [5].
Infelizmente, os partidos políticos portugueses, institucionalizados depois de 1974, não fizeram uma aposta coerente e continuada nos domínios da investigação política e da própria formação doutrinária, apesar das sementes de apoio deixadas pelas fundações alemãs.
Próximo do antigo CDS chegou a funcionar, com grande vitalidade, o Instituto Democracia e Liberdade, depois designado Instituto Amaro da Costa, apoiado pela Fundação Konrad Adenauer, editor da revista Democracia e Liberdade. Em íntima ligação ao PSD, surgiu o Instituto Progresso Social e Democracia e a Fundação Oliveira Martins e, depois, com o apoio da Fundação Friedrich Naumann, a Academia Internacional para a Liberdade e Desenvolvimento, em que se destacou o professor do ISCSP João Bettencourt da Câmara, depois de largar o Instituto de Pesquisa Social Damião de Góis que, nos primeiros anos da década de oitenta, funcionou junto da Presidência da República, então ocupada pelo General Ramalho Eanes. Nas margens do PS, com o apoio da Fundação Friedrich Ebert, destacou-se a acção da Fundação Antero de Quental, bem como da Fundação José Fontana [6].
Entre nós, se não há propriamente uma tradição de grande especulação política, nem por isso deixa de existir um activo ensaísmo doutrinário intimamente ligado à luta política [7]. Não faltam mesmo algumas procuras dos manuais de instrução cívica, à maneira dos de Ferreira Borges, Silvestre Pinheiro Ferreira e Trindade Coelho, este com o Manual Político do Cidadão Português [1906], desde Afonso Botelho, com Origem e Actualidade do Civismo [1979], a Mário Braga, com Manual de Instrução Cívica do Cidadão Português [1980].
[1] Na comissão executiva surgem, entre outros, os nomes de Roque Cabral, Bacelar e Oliveira, Mário Bigotte-Chorão e José Miguel Júdice, cabendo o secretariado a João Bigotte-Chorão. Conforme se escreve na Introdução, pretendeu-se uma congregação de ciências políticas, ciências jurídicas e ciências económicas, bem como de temas básicos das ciências humanísticas, nomeadamente da antropologia filosófica, teológica, religiosa e cultural e da sociologia.
[2] A revista está bastante próxima dos modelos doutrinários de Alain de Bénoîst, autor de Les Idées à l'Endroit, Paris, Hallier, 1979, e sobretudo de Vu de Droite. Anthologie Critique des Idées Contemporaines, Paris, Copernic, 1977. Esta obra foi traduzida para português em 1981, Nova Direita. Nova Cultura. Antologia Crítica das Ideias Contemporâneas, Lisboa, Fernando Ribeiro de Melo/Edições Afrodite, 1981.
[3] O primeiro número da Revista de Ciência Política data do primeiro semestre de 1985, com artigos portugueses de Durão Barroso, Joaquim Aguiar e Maria José Stock. O politólogo estrangeiro convidado foi Philippe Schmitter, com um artigo sobre a Queda dos Regimes Autoritários. No número seguinte da revista, surgiu o relatório sobre o estado da Ciência Política em Portugal, da autoria de Manuel Braga da Cruz e Manuel de Lucena.
[4] De José Manuel Durão Barroso são de destacar, para além do livro Sistema de Governo e Sistema Partidário, Amadora, Bertrand, 1980 (com Pedro Santana Lopes), os artigos: «Formas e Tempos da Democratização. O Caso Português», in Prospectivas, nºs. 10-11-12, Lisboa, 1982; «Capacidade e Incapacidade de Decisão. O Estado Português e a Articulação dos Interesses Sociais desde 1974», in Análise Social, XX, 1984; «O Processo de Democratização em Portugal. Uma Tentativa de Interpretação, a partir de uma Perspectiva Sistémica», in Análise Social, XXIII, pp. 15 segs., 1987. Durão Barroso, depois de abandonar as funções de Ministro dos Negócios Estrangeiros em 1995, regressou à actividade docente na Universidade Lusíada, onde passou a coordenar o Departamento de Relações Internacionais, anunciando a retomada dos trabalhos para o doutoramento. Na Universidade Lusíada, refiram-se também os nomes dos internacionalistas Carlos Gaspar e Vasco Rato, em torno da revista Política Internacional. Na mesma Universidade salienta-se também o esforço do grupo de direito público, editor de Polis. Revista de Estudos Jurídico-Políticos, de que se destacam Ricardo Leite Pinto, Nuno Rogeiro, Fernando Roboredo Seara, José de Matos Correia e Fernando Loureiro Bastos.
[5] De Joaquim Aguiar, para além dos livros A Ilusão do Poder. Análise do Sistema Partidário Português 1976-1982, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1983, e O Pós-Salazarismo. As Fases Políticas no Período 1974-1984, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1985, refiram-se os artigos: «Partidos, Estruturas Patrimonialistas e Poder Funcional. A Crise de Legitimidade», in Análise Social, vol. XCVI, pp. 241 segs., Lisboa, 1987; «As Funções dos Partidos nas Sociedades Modernas», in Análise Social, vol. XXV (107), 1990; e «Para Além do Estado Nacional. Da Crise Política à Crise dos Conceitos», in Análise Social, vol. XXVII, pp. 118-119, 1992. Este autor desempenhou importantes funções na estrutura do aparelho de poder pós-revolucionário, como assessor do Primeiro-Ministro Pinheiro de Azevedo (1975-1976) e dos Presidentes da República Ramalho Eanes e Mário Soares.
[6] Em meados da década de oitenta fomos naturalmente sujeitos à moda neoliberal, havendo influências tanto à direita como à esquerda. No então Partido do Centro Democrático Social, a presidência de Francisco Lucas Pires, sob a vigência do governo do Bloco Central, chegou a ensaiar a elaboração de um programa alternativo ao socialismo, de inspiração neoliberal, de acordo com as experiências das governações de Margaret Thatcher e Ronald Reagan. Foi então constituído o Grupo de Ofir por onde passaram muitos jovens assistentes universitários de direito e economia, criticando o estatismo e o keynesianismo dominantes. Na altura, surgiu também um Clube da Esquerda Liberal, que publicará a revista Risco e alguns dos mais mediáticos membros dessas duas entidades acabaram por provocar alguns debates nas páginas de opinião dos semanários políticos de fim-de-semana.
A partir de então, alguns antigos militantes da extrema-esquerda marxista-leninista-maoísta, mas com evidente militância contra o PCP e o sovietismo, ingressaram nos partidos que invocavam a social-democracia e o socialismo democrático, os quais, só a partir de meados da década de oitenta eliminaram dos respectivos programas as referências formais ao marxismo. Também no PCP, por efeitos da perestroika, surgiu uma importante dissidência que desaguaria nos estados gerais do PS, em 1995.
[7] Neste campo, ver os trabalhos de Romeu de Melo, nomeadamente, A Evolução Humana [1969, 2ª ed.] e Introdução à Liberdade [1979]. Nesta senda, refira-se também Diamantino Baltazar, A Democracia e o Socialismo. Esboço de uma Filosofia Crítica, Lisboa, Nova Nórdica, 1983.