5 - Não descobrir o que já está descoberto.

 

Ao longo destes anos em que nos temos preocupado quase exclusivamente com a politologia, sempre procurámos aceder a tal província do saber de forma comparativista. Com efeito, seguindo o conselho de Almerindo Lessa, não vale a pena descobrir o que já está descoberto, nem inventar o que já está inventado. Neste sentido, não há que temer ser estrangeirado, desde que sejamos capazes de seguir o conselho de Fernando Pessoa no sentido de nacionalizarmos tendências importadas, até porque não nos parece poder haver pensamento sem pátria, porque só é possível atingir o universal partindo do local e peregrinando pelo supra-paroquial. Aliás, como proclamava o nosso Miguel Torga, talvez o universal não passe do local sem muros, do aqui e agora das nossas circunstâncias desafiado pelas exigências da cidadania do género humano.

O caso-limite a rejeitar talvez esteja naquela forma do professor português de filosofias estrangeiras que realiza um ensino de tradução, e nem sequer cuida de fazer corresponder os conceitos importados às nossas próprias palavras. Insistir nesta via é aceitarmos ser colonizados, mesmo que disfarcemos a cedência com as bonitas palavras do progresso, da modernização ou da europeização.

Da mesma maneira, seria suicida assumirmo-nos como laboratório para experiências sociológico-políticas, visando a confirmação de teorias que outros elaboraram sem nos terem em conta. Se foram tristes algumas cenas do PREC, quando nos tornámos numa espécie de potencial reserva das ideologias e das utopias de certos marginais do Ocidente, continua a ser doloroso prestarmos menagem e citação a alguns politólogos do desenvolvimentismo e da mudança política que nos continuam a comparar a uma república de bananas, embora temperada por uns pretensos brandos costumes, onde até poderiam instituir-se estufas de democracia exportável para o Terceiro Mundo ou a Europa do Leste. Soa a ridículo sermos transformados em simples palco para filmes sobre golpes de Estado na América Latina ou para mimetismos sobre o fascismo italiano, nessa permanecente lenda negra que, à maneira de certas páginas de Byron, nos imagina como um país de bárbaros latinos com dois ou três ministros e um chefe de protocolo, civilizados e polidos.

Mas se não devemos ser província, isto é, terra vencida por um qualquer centro de saber estranho à nossa índole, seria tolo não acompanharmos o movimento geral das correntes de ideias do nosso tempo, abrindo as janelas de par em par e tirando trancas da porta, mesmo que surjam resfriados ou que fiquemos mais susceptíveis aos assaltos, directos ou subreptícios. Pelo menos, a nível da ciência política, se não devemos tornar-nos mera secção nacional de uma American Political Science Association ou de uma Association Française de Science Politique, também não podemos atingir níveis como os actuais que nos colocam, em termos de índices associativos e de organização do plano de estudos, um pouco abaixo da Grécia e da Turquia e com sérias tendências para sermos ultrapassados pela Croácia e pela Eslovénia, dado que, com tantos silêncios mútuos e com tantas incoerentes invocações de mestres estrangeiros, nem sequer temos tido capacidade para a criação de uma associação portuguesa de politólogos, para além da tentativa de Adriano Moreira na Associação Internacional de Ciência Política, anexa à Academia Internacional de Cultura Portuguesa [1].

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[1] A Associação foi fundada em 1979, entre outros, pelos Professores Adriano Moreira, Francisco Lucas Pires, José Carlos Vieira de Andrade, Óscar Soares Barata e João Baptista Pereira Neto.