50 - Investigação e ensino de matérias políticas.

 

Do mesmo modo, surgiram algumas importantes obras de sociologia histórica do político, tanto a partir da revista Análise Social e do grupo do Professor Adérito Sedas Nunes [1], instituidor do antigo Gabinete de Investigações Sociais, depois transformado no Instituto de Ciências Sociais, agora integrado na Universidade Clássica de Lisboa que tem reunido um vasto e qualificado conjunto de personalidades, os quais, além da qualidade dos títulos universitários obtidos no estrangeiro, se revelaram peças fundamentais do sistema partidário português e influentes opinion makers da nossa comunicação social, salientando-se António Barreto [2], Luís Salgado de Matos, Manuel Braga da Cruz [3], Manuel de Lucena [4], Manuel Villaverde Cabral [5], Miguel Esteves Cardoso [6] e Vasco Pulido Valente.

No Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), refiram-se os nomes de António Silva Leal [7], Serras Gago, Fernando Farelo Lopes [8], José Pacheco Pereira, João Arsénio Nunes, Maria Carrilho [9], António Costa Pinto, e César Oliveira.

Em Coimbra, em torno da Faculdade de Economia, destaca-se a acção do grupo do Professor Boaventura Sousa Santos, do qual surgiu a Revista Crítica das Ciências Sociais, a partir de 1978. Sousa Santos, depois de importantes análises sobre a política do direito, com O Discurso e o Poder. Ensaio sobe a Sociologia da Retórica Jurídica [1982] e On Modes of Production of Social Power in the Law [1986], destacou-se como introdutor em Portugal da teoria sociológica da pós-modernidade, em Introdução a uma Ciência Pós-Moderna [1989], O Estado e a Sociedade em Portugal. 1974-1988 [1990] e Pelas Mãos de Alice. O Social e o Político na Pós-Modernidade [1994], consagrando-se com Towards a New Common Sense. Law, Science and Politics in the Paradigmatic Transition [1995]. Mais recentemente, a respectiva escola iniciou em Coimbra a terceira licenciatura estadual em relações internacionais, para a qual foi mobilizado o antigo Presidente da República Mário Soares.

Na Universidade de Évora, destaca-se a antiga aluna do ISCSP, Maria José Stock, formalmente a primeira doutora portuguesa em ciência política [10], bem como Luís Colaço Antunes, para além do licenciado em história e doutor em sociologia Augusto Santos Silva que agora lecciona ciência política no curso de gestão da Faculdade de Economia do Porto [11].

Na Universidade do Minho, é a outro antigo aluno do ISCSP, António José Fernandes, que se deve a docência de ciência política. Na sua Introdução à Ciência Política. Teorias, Métodos, Temática [1995], são marcantes as influências tanto dos manuais como das próprias aulas do Professor Adriano Moreira. Mas, em Braga, são também de referir os nomes dos Professores Manuel Martins [12] e Luís Filipe Lobo Fernandes [13] no domínio das relações internacionais.

Na Universidade da Beira Interior, temos o Professor Francisco Videira Pires [14].

Na Universidade dos Açores, refira-se o Professor Luís Andrade, principalmente com a dissertação de doutoramento Neutralidade Colaborante [1993], fruto do lançamento dos estudos estratégicos nas ilhas, onde teve papel de relevo o Professor José Ennes. Em Ponta Delgada, merece também relevo o esforço levado a cabo para o levantamento das raízes da autonomia, com destaque para José Guilherme Reis Leite, autor de uma dissertação de doutoramento sobre o primeiro movimento autonomista dos Açores, Política e Administração nos Açores de 1890 a 1910 [1995], e para a reedição das obras de Aristides Moreira da Motta, Mont’alverne de Sequeira, Francisco de Faria e Maia, levadas a cabo pelo Jornal de Cultura.

Infelizmente, logo após 1974, o grupo neotomista da Pontifícia Faculdade de Filosofia de Braga, instituída em 1945, de que se destacaram Lúcio Craveiro da Silva [15], Paulo Durão [16] e Roque Cabral, não pôde retomar uma senda de produção científica que a tradição do pensamento católico sobre o político exigia, principalmente depois da acção de João Paulo II, nomeadamente com a publicação do Catecismo da Igreja Católica [1993].

O esforço do Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, em Endireitai as Veredas do Senhor [1970], no qual reuniu documentos pastorais publicados entre 1952 e 1959, bem como no esboço sobre Ecumenismo e Direitos do Homem na Tradição Antiga Portuguesa [1974], mostrou-se insuficiente para a conformação de movimentos sociais e para a mobilização de pensadores políticos [17].

Nos anos sessenta, destaca-se o grupo da revista O Tempo e o Modo e da Editora Moraes, liderado por António Alçada Baptista, responsável pela tradução de Jacques Maritain (Princípios de uma Política Humanista [1960], e A Pessoa e o Bem Comum [1962]) e de Emmanuel Mounier (O Personalismo [1964], e Manifesto ao Serviço do Personalismo [1967]). Um grupo intimamente ligado à experiência dos monárquicos anti-salazaristas do Centro Nacional de Cultura, de que se salienta Francisco Sousa Tavares, principalmente em O Combate Desigual [1960] [18].

Próximos destes, estavam os neo-integralistas personalistas da revista Cidade Nova, com Henrique Barrilaro Ruas, autor de um importante estudo sobre Ideologia. Ensaio de Análise Histórica e Crítica [1960] [19].

De realçar, contudo, o esforço de Jesué Pinharanda Gomes, tanto em prol do levantamento das raízes da filosofia portuguesa, como na inventariação das correntes de pensamento político católico portuguesas nos séculos XIX e XX, nomeadamente em Jacques Maritain e o Pensamento Político Português [1982], Os Congressos Católicos em Portugal [1984], Esboço de um Perfil do Pensamento Político Cristão do Século XX [1986] e As Duas Cidades [1990].

No entanto, o começo da edição da enciclopédia Logos parece anunciar nova senda de reflexão filosofante sobre o político, nomeadamente entre os jovens professores da Universidade Católica como Mendo Castro Henriques, muito em especial na sua dissertação de doutoramento, sob o tema d’A Filosofia Civil de Eric Voegelin [1993].

Na Faculdade de Letras do Porto, para além do Centro de Estudos Humanísticos, merecem referências os trabalhos de sociologia política do Professor António Teixeira Fernandes, nomeadamente em Fenómenos Políticos. Sociologia do Poder [1988], e os de filosofia política do Professor António José de Brito, desde a dissertação de doutoramento de 1979, Le Point de Départ de la Philosophie et son Développement, aos mais recentes trabalhos sobre a teoria do direito, como Introdução à Filosofia do Direito [1995] e O Problema da Filosofia do Direito [1996], em que se revela a dimensão de um continuador de Moncada, de quem, aliás, foi aluno.

Na Faculdade de Letras de Lisboa, onde funcionou o Centro de Estudos de Psicologia e de História da Psicologia, dirigido por Artur Moreira de Sá, que traduziu e editou as obras de Diogo Lopes Rebelo e Álvaro Pais, importa referir os nomes de Francisco da Gama Caeiro e Jorge Borges de Macedo. Deste último, refira-se a obra História Diplomática Portuguesa. Constantes e Linhas de Força. Estudo de Geopolítica [1987].

O Professor José Barata Moura destaca-se pela profundade crítica de um marxismo autêntico, principalmente em Ideologia e Prática, Lisboa, Editorial Caminho, 1978, Ontologias da Práxis e Idealismo, Lisboa, Caminho, 1986, e Da Representação à Práxis. Itinerários do Idealismo Contemporâneo, Lisboa, Caminho, 1986, contrariando a frivolidade de algumas das modas do recepcionismo de tal corrente de pensamento.

Mais recentemente, importa destacar os jovens docentes Paulo Alexandres Esteves Borges, responsável pela publicação dos Dispersos de Agostinho da Silva, com A Plenificação da História em Padre António Vieira. Estudo sobre a Ideia de Quinto Império na Defesa Perante o Tribunal do Santo Ofício, Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1995, bem como Viriato Soromenho Marques, em A Era da Cidadania. De Maquiavel a Jefferson, Mem Martins, Publicações Europa-América, 1996.

 Regressar a Sumário 



[1] De Adérito Sedas Nunes, refiram-se as seguintes obras: Princípios de Doutrina Social [1958], Questões Preliminares Sobre Ciências Sociais [1977], e Sobre o Problema do Conhecimento nas Ciências Sociais [1973].

[2] De António Barreto, destaque para Anatomia de uma Revolução [1977], e para o artigo “Estado Central e Descentralização. Antecedentes e Evolução” [1984].

[3] Entre as principais obras de Manuel Braga da Cruz contam-se: As Origens da Democracia Cristã e o Salazarismo, Lisboa, Presença/GIS, 1980; Monárquicos e Republicanos no Estado Novo [1986]; O Partido e o Estado no Salazarismo [1986]; Lisboa, Presença/GIS, 1988 (dissertação de doutoramento); e Instituições Políticas e Processos Sociais, Amadora, Bertrand, 1995.

[4] Manuel de Lucena destacou-se com A Evolução do Sistema Corporativo Português. I - O Salazarismo, II - O Marcelismo [1976], Ensaios sobre o Tema do Estado [1976], e O Estado da Revolução. A Constituição de 1976  [1978].

[5] De Manuel Villaverde Cabral, ver: O Desenvolvimento do Capitalismo em Portugal no Século XIX, Lisboa, A Regra do Jogo, 1976; O Operariado nas Vésperas da República, Lisboa, Presença/GIS, 1977; e Portugal na Alvorada do Século XX, Lisboa, A Regra do Jogo, 1979.

[6] De Miguel Esteves Cardoso, destaque para o artigo «A Autoridade Democrática e o Sistema de Autorização Política» [1986].

[7] De António da Silva Leal, refiram-se os inventários Os Grupos Sociais e as Organizações na Constituição de 1976 e A Organização do Estado depois da Revolução de 1976 [1982].

[8] De Fernando Farelo Lopes, ver a sua dissertação de doutoramento A Primeira República Portuguesa. Questão Eleitoral e Deslegitimação [1988], e Poder Político e Caciquismo na Primeira República [1994].

[9] De Maria Carrilho, é de salientar a sua dissertação de doutoramento Forças Armadas e Mudança Política em Portugal. Para uma Explicação Sociológica do papel dos Militares [1984].

[10] Maria José Stock, autora de uma dissertação de doutoramento sobre o PSD, ainda não publicada, tem elaborado trabalhos tanto sobre a teoria e a prática dos partidos políticos como sobre a situação da ciência política em Portugal: La Situation Actuelle de la Recherche au Portugal dans le Domaine de la Science Politique [1984]; Sistema de Partidos e Governabilidade [1984, em colaboração com Luís F. Colaço Antunes]; A Base Social de Apoio e o Recrutamento, Líderes do PSD e do CDS  [1985]; Delegados, Activistas e Quadros Médios. Importância de uma Abordagem Empírica [1985]; e Os Partidos do Poder. Dez anos depois do 25 de Abril [1986].

[11] De Augusto dos Santos Silva, Entre a Razão e o Sentido. Durkheim, Weber e a Teoria das Ciências Sociais, Porto, Afrontamento, 1988.

[12] De Manuel Martins, para além d’A Evolução do Império Português e a Conjuntura Internacional, Braga, 1983, ver Relações Internacionais (Política Internacional), Sintra, PF, 1995.

[13] Deste autor, destaque para a dissertação de doutoramento em Cincinatti, intitulada State Autonomy or Transnational Fusion [1995].

[14] De Francisco Videira Pires, Marx e o Estado, Porto, Lello e Irmão, 1983.

[15] De Lúcio Craveiro da Silva, S. J., destaque para A Idade do Social. Ensaio sobre a Evolução da Sociedade Contemporânea [1952], Comunidade Internacional, Comunidade Europeia e Soberania Nacional [1957], e Antero de Quental. Evolução do seu Pensamento Filosófico [1959].

[16] De Paulo Durão, refiram-se os estudos sobre A Comunidade Internacional [1942], e A Filosofia Política de Suarez [1949].

[17] Numa carta dirigida a António de Oliveira Salazar, em 13 de Julho de 1958, o Bispo do Porto, apesar de assumir uma espécie de revivalismo tradicionalista, faz fortes denúncias ao regime: o corporativismo foi realmente um meio de expoliar os operários do direito natural de associação, de que o liberalismo os privara, e que tinham reconquistado penosa e sangrentamente. Aceitando em Salazar a lucidez do raciocínio e o bem fundamentado das posições em matérias de política externa e de política ultramarina, critica acerbamente o salazarismo social, através do que qualifica como uma posição de filosofia política e de sociologia, afligindo-se com o já exclusivo português do mendigo pé descalço, do maltrapilho e do farrapão, produto de um economismo despótico e de uma arquitectura legal e organizativa que, oscilando entre o geometrismo e o barroquismo, é sobretudo errada como projecto e lançamento. Assim, considera que o problema essencial não é directamente a defesa da Igreja, mas da ordem civil e social, declarando expressamente que a maior necessidade dos católicos é ultrapassar a mentalidade do Centro Católico, que cada vez mais se torna uma mentalidade de catacumba ou mesmo de ghetão, da qual a Igreja já só pode esperar um "amor de perdição". Relativamente ao corporativismo, observa, de forma incisiva, que a Igreja "comprometeu-se", não com o Estado corporativo, mas com a ordem corporativa da sociedade, citando Pio XII, para quem se cometeria uma injustiça, ao mesmo tempo que se perturbaria seriamente a ordem social, se fossem retirados aos agrupamentos de ordem inferior as funções que esses agrupamentos estariam em condições de exercer eles próprios.

[18] Durante os anos cinquenta e sessenta deu-se em Portugal a recepção da segunda fase da democracia-cristã, principalmente através de grupos da Acção Católica que divulgarão o pensamento de Jacques Maritain. Não apenas o do Jacques Maritain do Anti-Moderne, ainda próximo do maurrasianismo, exactamente o mesmo que prefaciou João Ameal, mas também o Jacques Maritain antifascista - o autor de La Personne Humaine et la Societé, de 1939; dos Direitos do Homem e Lei Natural, de 1942; do Cristianismo e Democracia, de 1943; dos Princípios de uma Política Humanista, de 1944; e d'A Pessoa e o Bem Comum, de 1946.  Por sua vez, o institucionalismo jusnaturalista substituirá a matriz positivista entre os monárquicos que se proclamam como sucessores do Integralismo Lusitano, os quais se tornam os únicos monárquicos que, ultrapassando o saudosismo e o legitimismo, mantêm vitalidade doutrinária,  nomeadamente através do grupo da revista Cidade Nova, em que se destaca, entre outros, Henrique Barrilaro Ruas. Noutro quadrante, o personalismo existencialista de Mounier marcará o magistério de António Alçada Baptista e das personalidades que em torno dele gravitam, tanto no Círculo do Humanismo Cristão da Livraria Moraes como na revista O Tempo e o Modo. Mas a ruptura dos católicos perante o regime não passa de uma série de excepções que apenas confirmam certa regra representada por Manuel Gonçalves Cerejeira e pela Igreja institucional, os quais preferem não romper o compromisso histórico. Contudo, o Congresso da JUC de 1953 lançará as sementes de uma certa geração pós-republicana de católicos, descomprometidos  com a memória da construção do Estado Novo. Em 1957, esta geração tem guarida na revista Encontro, dirigida por João Salgueiro, com a colaboração de João Bénard da Costa e de Pedro Tamen. Na mesma altura, a JOC passa a ser liderada por João Gomes, com a colaboração de Manuel Serra. É deste terreno que surgirão apoios para a candidatura presidencial de Humberto Delgado e para a chamada Revolta da Sé. Duas significativas rupturas, nos finais dos anos cinquenta, em que a tradicional oposição, misto do reviralho republicano com os comunistas, integra também monárquicos e católicos, assumindo-se já como uma espécie de semente da frente nacional de oposição, bastante semelhante à ampla coalisão que derrubou o cabralismo. Da mesma altura, cumpre salientar uma carta de Maio de 1958, dirigida por um grupo de católicos ao jornal Novidades, na qual se critica o apoio dado por este orgão oficioso da Igreja Católica ao Estado Novo, subscrita por personalidades que depois se destacarão como militantes do PS (João Gomes, Manuel Serra, Nuno Portas), do MDP/CDE (Mário Murteira e Francisco Pereira de Moura), do MES (Nuno Teotónio Pereira) e do PPM (Barrilaro Ruas). Também a partir de 1963, importa assinalar o percurso da revista O Tempo e o Modo de Alçada Baptista. Aliás, Sottomayor Cardia, quando era comunista, chamou-lhe conluio entre a social-democracia e a democracia-cristã. Contudo, eis que, a partir de 1968, com Bénard da Costa e Helena Vaz da Silva, abre-se aos novos amanhãs que cantam no Maio de 68 parisiense. Finalmente, assinale-se que, já na década de setenta, a revista se tornou um dos mais prestigiados órgãos de propaganda do maoísmo lusitano, com Amadeu Lopes Sabino e Arnaldo de Matos. Podemos dizer que este nosso progressismo cristão, de uma posição crítica ao salazarismo, e depois de rapidamente balbuciar certas fórmulas democráticas intelectualizadas, depressa é ocupado pelos que, depois do diálogo com o marxismo e a colaboração com o PCP, ultrapassam este pela esquerda, incendiados pelo Maio de 1968, sendo a porta aberta para o esquerdismo revolucionário. Com efeito, o chamado progressismo cristão à portuguesa foi o principal terreno onde o marxismo se desenvolveu. Se começou por ser um existencialismo cristão, marcado pelo Sartre d’O Ser e o Nada, de 1943, depressa evoluiu para o existencialismo marxista à maneira da Crítica da Razão Dialéctica, de 1960, em que o próprio Sartre declarava o seguinte: considero o marxismo como a insuperável filosofia da nossa época e tenho a ideologia da existëncia como um enclave dentro do próprio marxismo. O pretexto para o reencontro chamou-se humanismo. O existencialismo sartriano, que se dizia um humanismo, depressa passou a querer ser o único humanismo, tal como o marxismo se proclamava como o humanismo socialista, para utilizarmos uma expressão consagrada por Erich Fromm. Entre nós, se uns optam pelo imediato golpe de Estado, seguindo as passadas de Manuel Serra, eis que outros apostam no meio termo, entre o colaboracionismo tecnocrático e o progressismo intelectual. Entre os adeptos do meio termo, da via reformista e colaboracionista, se uns seguem o exemplo da Engª Maria de Lurdes Pintasilgo e passam a dirigentes dos Gabinetes de Planeamento do marcellismo ou a Subsecretários de Estado, como João Salgueiro, eis que outros vão para a ala liberal, como João Pedro Pinto Leite, Magalhães Mota e Francisco Sá Carneiro. E depois das várias frustrações governamentais e parlamentares, é a SEDES que, finalmente, surgirá como ponto de encontro de toda esta geração do pós-guerra. Com efeito, o Estado Novo, deixando de ser uma doutrina em acção, foi gradualmente transformando-se num situacionismo defensivo, marcado pelos ditames de um Estado de Segurança Nacional, que será crescentemente dominado pela plutocracia das sucessivas  Uniões dos Interesses Económicos e pelos conceitos hierarquistas de caserna. Se, contra a plutocracia, ainda chega a erguer-se a dinâmica jocista do Padre Abel Varzim, tal como, noutra banda do regime, um certo corporativismo fascista, eis que, contra a degenerescência o hierarquismo, não se estrutura qualquer autonomia da sociedade civil. O Estadonovismo, incapaz de reformismo, não saberá nem conseguirá adaptar-se às novas regras do jogo do pós-guerra. Deixa fugir os católicos progressistas. Deixa escapar os monárquicos. Fica com a síntese de Marcello Caetano. Acaba por fenecer, sem honra nem glória, caindo de podre, menos por acção da subversão política da oposição e mais por causa de uma questão de caserna, de uma questão de economato ou de intendência, geradora de um acaso cómico, o 25 de Abril de 1974, precisamente através dos militares, que o desencadearam e sustentaram.

[19] No plano do combate político-doutrinário, Henrique Barrilaro Ruas produziu duas obras notáveis: A Moeda, o Homem e Deus. Primeiro Livro do Humanismo Cristão [1957], e A Liberdade e o Rei [1971]. Foi também um dos responsáveis pelo lançamento, em 1969, de uma Biblioteca do Pensamento Político, de cariz monárquico, que publicou Espada ao Sol de Luís de Almeida Braga [1969], e Marcuse ou o Colapso de Duas Ideologias, de António Faria e Maya. Nesta colecção, refira-se também a obra de Rivera Martins de Carvalho (1927-1964), Diário Político e Outras Páginas, principalmente os ensaios Análise Política da Propaganda [1961], e Ideias, Ideias-Feitas, Ideologia [1961].