52 - Da Política Ultramarina ao Ministério do Ultramar.

 

Encerrada a preocupação científica com o direito penal, novos horizontes se abrem, entretanto, ao agora professor ordinário, titulado por concurso público, a quem, a partir de 1955-1956, é atribuída responsabilidade na cadeira de Política Ultramarina [1], numa altura em que a dimensão colonial de Portugal, além de sofrer os desafios da guerra fria, se depara com a emergência do Terceiro Mundo, principalmente a partir da Conferência de Bandung que teve a ilusão de dar voz aos até então povos mudos do mundo.

As preocupações existenciais do penalista encontram agora a dimensão da questão racial. E o fundo formativo jusnaturalista e culturalista recebe o choque das correntes do realismo político norte-americano, principalmente através da meditação sobre as obras de Hans Morgenthau.

Nas lições de Política Ultramarina, Adriano Moreira já então salienta que o problema central que se desenha no pensamento da moderna ciência política é o da sua autonomia perante a ciência jurídica ou, mais amplamente, perante a ética [2].

Não admira que logo trate de desenvolver temas tão poliédricos como a tese do apaziguamento ideológico, os direitos do homem e a balança de poderes, as fronteiras ideológicas, os grandes espaços, a autodeterminação, o neutralismo e a segurança colectiva.

Isto é, penetra na ciência política através da perspectiva da política internacional e, deste modo, logo acede ao globalismo, sendo também particularmente impulsionado pela reflexão que faz sobre a obra de Teilhard de Chardin.

Nas lições sobre Política Ultramarina, a introdução metodológica, em que o autor se preocupa com as relações entre a ciência política, o direito constitucional e as ciências sociais em geral, é já invocado o relatório da UNESCO sobre La Science Politique Contemporaine, bem como um artigo de Raymond Aron Sur la Politique et la Science Politique, publicado no volume V da Revue Française de Science Politique, para além dos quatro primeiros volumes do Traité de Science Politique de Georges Burdeau (publicados entre 1949 e 1952), e do Manuel de Droit Constitutionnel et de Science Politique de Maurice Duverger.

Mas o despique intelectual mais intenso é com os trabalhos de Marcello Caetano sobre a matéria, desde as Lições de Direito Constitucional e Ciência Política [1952], ao artigo Introdução ao Estudo do Direito Político, publicado n’O Direito [1953].

As lições centradas na análise da questão racial (uma centena de páginas) e do colonialismo e anticolonialismo (cerca de duas centenas de páginas), são abordados os sistemas coloniais em África (cerca de setenta páginas) já numa perspectiva de política comparada.

Adriano Moreira, director do Centro de Estudos Políticos e Sociais da Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar desde Fevereiro de 1956, vive, então, intensamente, a experiência de contacto com a Organização das Nações Unidas (foi membro da delegação portuguesa às sessões da Assembleia Geral dos anos de 1957, 1958 e 1959) e, nestas permanências em New York, toma contacto com a mais recente bibliografia norte-americana em matéria de ciência política e de política internacional.

Esta sucessão de desafios da realidade e do pensamento, bem como a assunção da interdisciplinaridade, impedem que Adriano Moreira se tenha transformado num dilecto discípulo de uma qualquer corrente de pensamento. Assim, no tratamento científico da política ultramarina, os elemento importados do realismo norte-americano são, desde logo, compensados pela procura da metodologia lusotropicalista de Gilberto Freyre. Do mesmo modo, os conceitos operacionais da ciência política norte-americana acabam por europeízar-se, com o recurso à filosofia reflexiva das escolas politológicas francesas.

Mas o politólogo nascente não terá tempo para aprofundar as novas sendas que lhe são abertas nessse final da década de cinquenta, dado que, entre 3 de Março de 1960 e 4 de Dezembro de 1962, aceita desempenhar funções governamentais, primeiro como Subsecretário de Estado da Administração Ultramarina e, depois de 13 de Abril de 1961, como Ministro do Ultramar [3].

Após quase sete trimestres como governante de um Estado de Segurança Nacional que enfrentava uma situação de guerra subversiva, e em que, certamente, teve de lidar com inevitáveis choques entre a moral da responsabilidade e a moral da convicção, eis que Adriano Moreira depressa regressa à docência efectiva e à direcção do ISCSPU, já então integrado na Universidade Técnica de Lisboa.

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[1] Vejam-se as lições de Política Ultramarina, Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, 1956.

[2] Op. cit., p. 15.

[3] Segundo Adriano Moreira, em Saneamento Nacional, numa das poucas cedências que faz ao biografismo da literatura de autojustificação, o Presidente do Conselho disse-me que, para continuar a apoiar as minhas reformas, não teria força para se manter como Chefe de Governo. Considerava necessário mudar de política. Expliquei-lhe que precisava de mudar de Ministro. Assim se fez. Op. cit., 2ª ed., p. 45.