56 - A macropolítica.
O primeiro campo de estudo da ciência política continua a ser a macropolítica, o fenómeno político superior, bem como o respectivo reflexo no Estado-Aparelho de poder, aquilo que os anglo-saxónicos qualificam como government, isto é, o conjunto das instituições públicas.
Fiéis aos pais-fundadores, os politólogos continuam a estudar este domínio ao estilo do process of government, isto é, pesquisam as instituições públicas tais como elas são, na sua dinâmica, estabelecendo a dialéctica com o que elas devem ser, de acordo com os princípios do bom governo e com a lei vigente.
Se os norte-americanos começam pelo Federalism and Intergovernmental Relations, já nos países marcados pelo estatismo absolutista talvez importe começar pelo repensar da teoria do Estado, pelo entendimento da crise da soberania e pelo estudo das relações entre as administrações ditas nacionais e as entidades supra-estaduais em que as mesmas se integram, formal ou informalmente. Entre nós, por exemplo, torna-se imprescindível o confronto do aparelho de poder da República Portuguesa com a administração comunitária, dado que, depois da integração na Comunidade Europeia, alguns dos principais factores de poder deixaram de ser nacionais.
Esta é a zona da ciência política onde são possíveis eventuais coincidências com a ciência do direito, principalmente nas zonas do direito constitucional e do direito administrativo, apesar de também ser desejável uma abordagem politológica do próprio mundo do direito, coisa que ainda não foi feita em Portugal. Importa sobretudo o estabelecimento de um modelo de análise da política do direito que não se reduza à mera sociologia jurídica.
Por exemplo, ainda não existem, entre nós, estudos politológicos sobre o comportamento legislativo ou sobre a problemática do poder judicial. Falta também uma adequada abordagem da própria representação política: se já se vislumbra alguma teorização, permanece a ausência dos estudos empíricos, desde estudos de caso ao levantamento dos necessários dados quantitativos.
A recente polémica da classe política portuguesa travada em torno da regionalização não foi acompanhada pelo entendimento dos novos fenómenos do localismo, abrangendo a regionalização, a devolução de poderes e a descentralização, conforme as recentes obras de Scharpe [1979], Rousseau [1987], Bennet [1990], Pickvence [1991] e Gietz [1993]. Nem sequer foram veiculados elementos comparativos adequados à realidade portuguesa, dado invocarem-se, sobretudo, experiências de regionalização de Estados plurinacionais e não se mostrarem formas praticadas em modelos de coincidência entre a nação e o Estado próximos da nossa dimensão qualitativa.
No estudo do federalismo, para além dos clássicos de Friedrich e Bowie [1954], Morley [1959], Wheare [1963], Franck [1968] e Hay [1966], destacam-se os mais recentes trabalhos de Elazar [1974, 1979, 1987 e 1991], Albertini [1979], Dahl [1983], Burgess [1986,1989 e 1993], Elkins [1993], Sturm e Jeffery [1993], Randall e Gibbins [1994], e Smith [1995].
Curiosamente, no seio da politologia norte-americana, depois da era de dispersão comportamentalista, deu-se um regresso aos estudos sobre a globalidade política.
Assinale-se, em primeiro lugar, o movimento de return to the State protagonizado pelo neomarxismo à procura de uma teoria do Estado, o chamado neostatist movement, em que se destacam nomes como Theda Skocpol, Ralph Miliband, Martin Carnoy, Stephen Skowronek e Perry Anderson. Aliás, depois de Theda Skocpol ter proclamado a necessidade de Bringing the State Back In [1], o próprio David Easton, na American Political Science Review de 1988, criticou duramente tal return to the State, qualificando-o como uma tentativa de invasão do universo cultural norte-americano por uma corrente onde Marx reaparecia através de Gramsci, Althusser, Poulantzas ou Claus Offe, embora compensado com algumas pitadas de Max Weber e de Otto Hintze.
A este respeito, importa assinalar que o neomarxismo constitui ainda um dos mais importantes subsolos filosóficos do pensamento político ocidental. Há os neomarxistas críticos, herdeiros da Escola de Frankfurt, como Habermas, os existencialistas, na linha de Sartre, os freudomarxistas, desenvolvendo Marcuse, os fenomenologistas, seguindo Merleau-Ponty, não faltando os que invocam um regresso a Hegel, como Lukács, e à práxis, na senda de Gramsci, ou estruturalistas, nos moldes de Althusser. Não faltam sequer os marxistas ditos liberais, como Michael Harrington. A heterodoxia nascida desse subsolo filosófico, principalmente no universo anglo-saxónico, atingiu tais níveis que até deu origem a um marxismo não-sovietista e mesmo anti-sovietista.
De qualquer maneira, esse lastro foi constante desde os anos quarenta, ao ler Paul Sweezy ou a bibliografia editada pelo clube da New Left. Nas décadas de sessenta e setenta, foram eles que invocaram o Estado e, atacando o pluralismo, elaboraram inúmeros estudos sobre a estrutura do poder, utilizando todo um manancial de categorias marxistas em ciências sociais em vários estudos empíricos.
Outra foi a perspectiva da Escola Crítica de Frankfurt, emigrada nos Estados Unidos, em que se destacaram Theodor Adorno e Marx Horkheimer, seus pais-fundadores, bem como a geração de Franz Neumann, Erich Fromm e Otto Kirchheimer. Com o regresso da Escola à Alemanha, a geração de Claus Offe, Karl-Otto Apel e Jürgen Habermas, principalmente depois da morte de Adorno, em 1969, entrou em conflito com o marxismo ortodoxo e foi hostilizada pelos movimentos equivalentes à contra-cultura e à New Left dos anglo-saxónicos, nomeadamente pelos movimentos da contestação estudantil, aproximando-se de muitas das posições de Hannah Arendt.
Contudo, o regresso ao Estado foi também assumido no campo dos politólogos demoliberais. Assim, Samuel P. Huntington, já em 1965 [2], defendia uma politologia state-centric, acentuando a importância do Estado-aparelho de poder para a explicação do poder e dos processos políticos, reagindo assim contra o funcionalismo e outras correntes que realçavam a importância de organizações não-públicas nas policies. Também Stephen Krasner, em 1984 [3], sublinha o facto do Estado não poder ser entendido como um reflexo das características ou das preferências da sociedade [4].
De qualquer maneira, o tema do Estado ganhou relevo no universo anglo-saxónico, com inúmeros trabalhos sobre o tema: John Breuilly [1982], McLennon [1984], Peter Evans [1985], A. James [1986], John Hall [1986], B. O'Leary [1987], P. Dunleavy [1987], Fred Block [1988], David Miller [1989], George Colz [1989], Sheldon Wolin [1989], David Held [1990], Phillip Cerny [1990], Bruce Porter [1993] Gottlieb Gidon [1993], Hendrik Spruyt [1994], Julie-Marie Bunck [1995] e Michael Ross Fowler [1995].
O regresso das teorias do Estado, se corresponde, ao nível anglo-saxónico, a algo que pode ser caricaturado como uma viragem à esquerda no sentido anti-pluralista do termo, não tem idêntica tradução nos domínios do pensamento europeu-continental que segue as tradições do Estado à francesa, em que a perspectiva da societé contre l’État, em meados dos anos setenta, fora assumida pela crítica de gauche aos totalitarismos e pelos herdeiros do personalismo.
E foi de França, principalmente com Simone Goyard-Fabre e Blandine Barret-Kriegel, que se reassumiu a ideia de Estado de Direito, tentando casá-la com a tradição republicana e o movimento de defesa dos direitos do homem, essa mistura tipicamente francesa que superou o jacobinismo através do moderantismo, à maneira de Constant, prefere Tocqueville a Comte e continua o nacionalismo místico da III República, pelo culto das lideranças de De Gaulle ou Mitterrand.
A bibliografia politológica francesa dos anos oitenta e noventa que se recentra sobre o Estado e o fenómeno político superior é impressionante. Os intelectuais franceses de origem judaica organizam um colóquio sobre La Question de l'État, em 1989. Bertrand Badie e Pierre Birnbaum publicam uma Sociologie de l'État [1979]. Birnbaum retoma a perspectiva em La Logique de l’État [1982], onde é marcante a viagem em torno de Durkheim, já retomada por Bernard Lacroix, em Durkheim et le Politique [1981]. Blandine Barret-Kriegel, para além de L'État et les Esclaves [1979], inicia a publicação de Les Chemins de l'État, em 1986. Pierre Bauby e Jean-Claude Boual reflectem sobre L’État-Stratège. Le Retour de l’État (1994). Olivier Beaud enfrenta a questão de La Puissance de l’État [1994]. Gérard Bergeron, depois de analisar o Fonctionnement de l'État [1965], organizou um Petit Traité de l’État [1990]. Henri de Bodinat elabora um quase-manifesto sobre o tema, L’État, Parenthèse de l’Histoire [1995]. Didier Boutet faz a ligação ao pensamento jurídico em Vers l'État de Droit. La Théorie de l'État et du Droit [1991]. De Pierre Brunel, temos L’État et le Souverain [1978]. Yves Cannac, para além de Le Juste Pouvoir. Essai sur les Deux Chemins de la Démocratie [1983], trata mesmo de teorizar sobre Le Retour de l’État [1993]. Jacques Chevalier enfrenta a questão de L’État de Droit [1992]. Dominique Colas publica L'État et les Corporatismes [1988]. C. Colliot-Thélène aborda Le Désenchantement de l’État. De Hegel à Max Weber [1992]. Mas outros autores importa referir, como por exemplo: Alain Cubertafond, em Le Pouvoir, la Politique et l'État en France [1993]; Jean-Philippe Genet, L’État Moderne. Genèse [1990]; Jacques Moreau, Théorie Générale de l’État [1995]; Jean Padioleau, L’État au Concret [1982]; Pierre Rosanvallon, L’État en France de 1789 à nos Jours [1990]; e Luc Rouban, Le Pouvoir Anonyme. Les Mutations de l’État à la Française [1994].
As viagens sobre o passado e o futuro da entidade estadual são também acompanhadas pelas interrogações sobre a nação e a própria identidade política, muito especialmente num tempo de globalização da política. Aliás, depois do ano 1989, tornou-se patente a crise do Estado Soberano e assistiu-se, ao invés, ao regresso da nação. Um dos principais manuais de relações internacionais, o de Jean-Baptiste Duroselle, assume mesmo o título principal de Toute Empire Périra [1992], acompanhando o ritmo da mais recente teorização e reflexão sobre o nacionalismo. Neste domínio, são de referir os estudos de Barbara Ward [1966], E. H. Carr [1968], Mario Albertini [1969], Jean-René Suratteau [1972], E. Kamenka [1973], Louis Snyder [1976], Setton-Watson [1977], H. A. Winkler [1978], J.-M. Leclercq [1979], Jean Plumyène [1979], Roger Martelli [1979], Jacob-Leib Talmon [1980], C. R. Foster [1980], John A. Armstrong [1982], John Breully [1982], Bennedict Anderson [1983], Ernest Gellner [1983 e 1994], Anthony Smith [1981, 1983, 1986, 1991 e 1995], Elie Kedourie [1985 e 1993], Jean-Luc Chabot [1986], J. M. Blaut [1987], Pierre Caps [1987], Pierre Fougeyrollas [1987], John Hutchinson [1987 e 1995], Immanuel Wallerstein e Étienne Balibar [1988], P. Alter [1989], Jean-Yves Guiomar [1990], Pierre-André Taguieff [1990 e 1991], Bernard Crick [1991], Gil Delannoi [1991], H. Goulbourne [1991], J. G. Kellas [1991], Alain Minc [1991], Dominique Schnapper [1991 e 1994], Paul Brass [1992], Alan Milward [1992 e 1995], Pierre Birnbaum [1993], Gidon Gottlieb [1993], Michel Wievorka [1993], Liah Greenfeld [1993], Eric Philippart [1993], Walker Connor [1994], Samir Amin e Joseph Vansy [1994], Paul Sabourin [1994], David Hooson [1994], Noelle Burgi [1994], Berch Berberoglu [1995], Geoffrey Howe [1995], Yael Tamir [1995], Frederico Romero [1995], Michael Lind [1995], Frances Lynch [1995], David Miller [1995], Geoffrey Eley [1996], Kathryn Manzo [1996].
Através da Internet é possível aceder a informações gerais sobre instituições governativas no guia de Richard Kimber (http://www.keele.ac.uk/depts/po/govinfo.html). Constituições, tratados e declarações oficiais podem encontrar-se em (http://www.keele.ac.uk/depts/po/const.html) e na International Association of Constitutional Law, em (gopher://www.eur.nl:80/hGET%20/iacl/const.). É de grande utilidade a secção de políticas públicas da APSA (http://www.fsu.edu/~spap/orgs/apsa.). Para uma visita a governos locais e regionais dos Estados Unidos e do Reino Unido, ver (http://www.keele.ac.uk/depts/po/local.html).
[1] Theda Skocpol, Bringing the State Back In, New York, Cambridge University Press, 1985.
[2] Samuel P. Huntington, «Political Development and Political Decay», in World Politics, nº 17, pp. 386-430.
[3] Stephen Krasner, «Approaches to the State. Alternative Conceptions and Historical Dynamics», in Comparative Politics, nº 16, pp. 16-225.
[4] Apud Robert A. Heineman, Political Science. An Introduction, New York, McGraw-Hill, p. 150.