62 - Novos campos de estudo da ciência política.
Muitos outros campos são objecto de trabalho da ciência política. Estudam-se as relações entre a religião e a política, retomando-se, por vezes, a própria teologia política. Com efeito, as mudanças da cena internacional subsequentes ao fim da guerra fria manifestaram, de forma inequívoca, a permanência do chamado teológico-político, demonstrando a força transnacional das religiões e o seu imediato impacto no domínio das coisas políticas.
Sobre a matéria, importa peregrinar por Ernst Bloch [1923, 1954-1956, e 1973], Mircea Eliade [1957], Norman Cohn [1957 e 1970], Karl Barth [1958], Jürgen Moltmann [1964], Henri Desroche [1968, 1969 e 1973], Johann Baptist Metz [1970, 1972 e 1977], Joseph Comblin [1970], Dorothy Soelle [1972], François Biot [1972], Gustavo Gutierrez [1972], X. Xhaufflaire [1972], Alain Birou [1974], e Alfredo Fierro [1982].
Afinal, as boas intenções de certo racionalismo e de quase todo o positivismo fizeram com que muitos sectores ocidentais padecessem de um paroquialismo gnóstico que parece continuar a acreditar na superação do teológico e do metafísico. Mesmo quando, na intimidade, se mantinha a crença no transcendente e a humildade perante o mistério, os nome de Deus e dos deuses foram banidos do espaço público e do próprio esforço da racionalização e da ciência, criando dualismos pouco sadios, dado que o homem inteiro só pode decepar-se através da sublimação poética dos heterónimos. E aí estão, de novo, os fundamentalismos e os libertacionismos de matriz religiosa. O colosso soviético foi abalado a partir dessa reacção contra a escravatura na consciência de cada um que os cristianismos ortodoxo, católico e protestante reavivaram, e o ano 1989 demonstrou que as brasas se reacenderam quando se soprou a cinza do doutrinarismo oficioso.
Se o mundo islâmico continua estremunhado pela revolta fundamentalista aí estão os taliban do Afeganistão e muitos outros advogados de guerras santas eis que noutras zonas do mundo, como nas Américas e em África, algumas das religiões que parecem decadentes no mundo ocidental assumem a força da esperança.
A ciência política não pode alhear-se desta exigência da realidade. E alguma importante bibliografia vai assomando. Mesmo entre nós, a recente Teoria das Relações Internacionais do Professor Adriano Moreira aparece marcada por este desafio, com a retomada das teses de Teilhard de Chardin, o diálogo com os teóricos do poder dos sem poder e a esperança nos encontros de Assis, protagonizados por João Paulo II. Em França, P. Michel, em Politique et Religion, de 1994, e o crescente regresso às análises do fenómeno islâmico abalaram certos preconceitos positivistas e laicistas. A retomada de Espinosa e a releitura de Donoso-Cortés e de Carl Schmitt impõem-se. Do mesmo modo, o estudo de obras como as de Moltmann e Metz podem ajudar-nos à estruturação de um modelo mais aberto à totalidade. Outras obras importa compulsar, como Michael Oakeshott, Religion, Politics and the Moral Life [1993], Marcel Gauchet, Le Désenchantement du Monde. Une Histoire Politique de la Réligion [1985], John W. Gruchy, Christianity and Democracy. A Theology for a Just World Order [1995], e Michel Novak, principalmente em Will It Liberate? Questions about Theology [1987] e The Catholic Ethic and the Spirit of Capitalism [1993].
Outra área de interesse indiscutível está na relação entre a política e as ciências da vida, abrangendo toda a área da biopolítica, isto é, das relações entre as ciência da vida e a ciência política, o que inclui as pesquisas na etologia, na neurofisiologia e na psicologia social, bem como nos domínios da chamada engenharia genética.
Se é imprescindível o estudo dos pioneiros da etologia e da sociobiologia, na linha dos estudos de Edward Osborne Wilson [1975 e 1978], Eibl-Eibesfeld [1975] e Barash [1977] [1], importa reconhecer que hoje não bastam os esquemas de Lorenz, Wilson e Ardrey, dado que, principalmente a partir da publicação, por Roger Masters, de The Nature of Politics, em 1989, houve uma espécie de reconciliação entre a democracia e as ciências naturais.
Afinal, os paralelismos entre a biologia, a etologia e a política parecem não dar apenas razão a Maquiavel, a Hobbes e aos elitistas contemporâneos. Também Masters considera que o behaviorismo está morto e que se torna possível uma aliança metodológica entre as ciências ditas naturais e as ciências ditas humanas, actualizando-se o esforço de Ludwig von Bertalanffy.
O novo naturalismo da biopolítica também permite que se transcenda o dualismo factos/valores e que se justifique a própria democracia com as novas descobertas da biologia; e o pré-romantismo de Rousseau também pode ter razão, ao contrário daquilo que continuam a proclamar algumas caricaturas etologistas.
Um novo campo da ciência política, ainda não semeado em Portugal e com raras incursões na politologia europeia, mas fortemente tratado no universo norte-americano, é o do feminismo. A própria APSA tem uma secção de Women and Politics, em que se estudam as relações entre a condição feminina e o exercício da actividade política [2].
A matéria, desencadeada a partir das obras de Simone Beauvoir e Betty Friedan, não se reduz hoje aos aspectos folclóricos que estavam ligados às feministas radicais e às feministas marxistas, dado que o campo também foi ocupado pelo feminismo demoliberal, como entre nós acontece com a Associação Ana de Castro Osório, dinamizadora dos estudos sobre a participação das mulheres na política [3].
Se passarmos os olhos por algumas das secções do recente encontro anual da APSA, em São Francisco, Setembro de 1996, veremos secções dedicadas ao estudo da corrupção, políticas públicas e desenvolvimento; do liberalismo, democracia e teoria internacional; da raça e etnicidade; da construção do Estado e da nação; do conflito e consenso; dos interesses, coligações e instituições; do pragmatismo e demoracia; da globalização e teoria democrática; da análise da direita radical e a política de emigração; dos partidos e grupos de interesse; dos activistas e organizações políticas; da comparação das políticas do Welfare State; do para além do realismo, a nova visão da ordem mundial; d’as relações entre civis e militares; do comportamento eleitoral nas novas democracias; da democratização; da internet e ensino da ciência política; das políticas de emigração; da linguagem e política; para não falarmos em Platão e a democracia; na rational choice; no estudo da religião e mudança política; das campanhas eleitorais; da reestruturação da democracia; das políticas de crescimento; do conceito de modernização; da historigrafia e ciência política; do desenvolvimento económico; da teoria política formal; das políticas raciais e opinião pública; da religião e comportamento eleitoral; das culturas locais e a política; do liberalismo e virtude; das relações intergovernamentais num Estado federal; da competição eleitoral; do sucesso político; do que é a modernidade?; da desregulação; da autodeterminação e secessão; da inderdependência económica e conflitos internacionais; das relações industriais e a política; da teoria da cidadania; do pessimismo político; do reinventar o Estado; da consolidação da democracia; das novas tecnologias e campanhas eleitorais.
[1] Ver Edward O. Wilson, Sociology, a New Synthesis, Cambridge, Massachussetts, Harvard University Press, 1975, bem como N. Tinbergen, The Study of Instinct, Oxford, 1951; I. Eibl-Eibesfeld, Human Ethology, New York, 1975; G. E. Pugh, The Biological Origin of Human Values, New York, 1977, em que se consideram os valores humanos como geneticamente determinados e, portanto, inatos, enquanto os valores racionais seriam meramente secundários, e David B. Barash, Sociology and Behavior, New York, 1977. Entre os vulgarizadores desta perspectiva, ver Robert Ardrey, The Social Contract, New York, 1970, e The Territorial Imperative, New York, 1966.
[2] Ver, na Internet, a página de estudos feministas da Universidade de Maryland: (http://inform.umd.edu:86/Educational_Resources/AcademicResourcesByTopic/WomensStudies).
[3] Ver Susan J. Carroll e Linda M. G. Zerilli, «Feminist Challenges to Political Science», in Ada Finifter, Political Science. The State of the Discipline II, Washington, APSA, 1993, pp. 55-76.