Voltei a ser quem sempre fui

 

 

Porquê tanto tempo de espera,

se galgar o muro é de repente?

Basta tirar névoas da memória,

olhar de relance

e calcular o salto certo.

Depois, é sentir no corpo

todo o vento da viagem

e partir, partir,

para não mais voltar.

Passando a fronteira, de cara disfarçada,

guardei, para mim, o rosto verdadeiro,

o inteiro nome de quem sou:

esse menino de olhos vivos,

que, em si, ainda sente

a pureza inteira, original

de fitar as coisas

sem as preconceituar.

Voltei a ser quem sempre fui.

Sou eu, apenas eu,

e não um desses heterónimos

que tenho de fingir

para poder sobreviver.

Voltaram as palavras prometidas

nesta viagem sem regresso.

Refloriu quem sonho

e um corpo cansado recobrou

o alento das noites de relento.

Trago comigo

a força das nascentes

que dão revolta ao ser.

O nome primitivo

de quem ousa

sorver o silêncio inteiro

que nos dá sonho.

Voltei a subir às árvores

para poder ver mais além,

as unhas sujas de terra

e o sabor das coisas iniciais.

As tangerinas comidas no quintal,

o verde rumor das ribeiras

e a frescura das regas

em noites de lua cheia

e placidez de verão.