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A Jovem Europa de Mazzini

A balança da Europa pós-napoleónica, marcada pela força da Santa Aliança é, entretanto, abalada por ideologias que pretendem subverter o equilíbrio alcançado e que recebem o impulso de algumas alterações políticas, desde a revolução orleanista de 1830 à primavera dos povos de 1848. Do socialismo dito utópico ao republicanismo, do positivismo ao próprio anarquismo federalista, os contestatários da ordem europeia não deixam de clamar por formas de unificação, advogando, nalguns casos, a constituição de uns Estados Unidos da Europa, pelo menos desde que Victor Hugo usou a palavra em 17 de Julho de 1851.

Comecemos pela figura de encruzilhada que foi Giuseppe Mazzini (1805-1872) que, depois de tentar conciliar a ideia de federação europeia com o nacionalismo italiano, acabou no gnosticismo da Terceira Roma. Mazzini, no manifesto da sociedade secreta Jovem Itália (Giovine Italia), emitido em 1831, em Marselha, onde estava exilado, dizia que a constituição de unidades nacionais, era o presságio da grande Federação Europeia que deve unir numa só associação todas as famílias do antigo mundo. A federação dos povos livres apagará a divisão dos Estados, querida, fomentada pelos déspotas, e deste modo desaparecerão as rivalidades de raças e se consolidarão as nacionalidades tais como as querem o direito e as necessidades locais .

Este antigo carbonari propunha a instauração na Itália de uma republica unitária e democrática, através da insurreição popular e até pretendia fazer imbuir o patriotismo italiano de um fervor moral e deísta, bem resumido no lema que adoptou: Deus e Povo. Três anos mais tarde, depois de ser expulso de França e de tentar invadir o Piemonte, quando estava exilado em Berna, funda outro movimento, a Jovem Europa, visando uma Europa Livre e Unida, pela congregação de todos os movimentos revolucionários das diversas nações. O manifesto, emitido em 15 de Abril de 1834, em nome da liberdade, igualdade e humanidade, parte do princípio que todos os homens e todos os povos têm uma missão particular e que a associação dos homens e dos povos deve reunir a protecção do livre exercício da missão individual à certeza que tudo se faça tendo em vista o desenvolvimento da missão geral.

Como então se reconhece, visa-se o projecto de impor à Europa uma unidade absoluta fundado no século XIX, uma teocracia republicana, um papado republicano, como antes Carlos V e Filipe II sonhavam uma monarquia universal. Neste sentido, advoga um sistema de centralização, uma constituição unitária, segundo a qual os países da Europa não serão mais do que departamentos dum só Estado do qual Paris será a capital .

Uma atitude diversa da que o mesmo Mazzini assumira em escritos anteriores, como em Pensieri sopra uma Leteratura Europea, quando ainda adoptava uma atitude espiritualista e federalista, advogando a unidade moral da Europa pela república democrática que deve conduzir à federação dos povos (...) pela fusão dos interesses, pelo progresso do espírito humano, pela necessidade de uma paz duradoura .

O agitador italiano volve-se agora em agitador europeu, procurando congregar todos os movimentos congéneres. Estabelecido em Londres desde 1837, é daí que chega a propor a convocatória de um grande congresso europeu, juntando todos os movimentos republicanos da França, da Polónia, da Alemanha, da Hungria e da Itália, marcados pelo mesmo ideal, simultaneamente nacionalista e europeísta.

Com a primavera dos povos de 1848, regressa a Itália, onde dirige a revolta de Nápoles contra os austríacos, em Março, passando, depois, para a Toscânia e para Roma, onde os seus partidários, em Fevereiro de 1849, chegaram a proclamar uma república, com um triunvirato, por ele participado, que governaria ditatorialmente até ao mês de Junho, quando as tropas francesas restabeleceram a autoridade temporal do papa.

Lançado de novo no exílio londrino, não deixa de promover mais uma série de revoltas, todas elas frustradas, em Mântua (1852), Milão (1853) e Génova (1857). Opondo-se à política de unificação italiana promovida pelo Piemonte e muito particularmente à aliança que Cavour fez com Napoleão III, sofreu um profundo desaire quando o principal dos seus partidários, Garibaldi, se aliou ao processo monárquico da unificação.

A partir de então, propõe que se separem os destinos da pátria dos destinos da monarquia, visando transformar a nação num corpo armado, estreitamente ligado a todos os povos livres, para apressar a vitória da unidade republicana em Itália . A este projecto se unem muitos revolucionários franceses, espanhóis, portugueses e boémios, visando, conforme as palavras de Mazzini, que o estremecimento momentâneo havia de transformar-se, vinte e quatro horas depois, no hurrah! de uma insurreição medonha .

Em 1870 ainda desembarca clandestinamente na Sicília, mas é preso. Vive os seus últimos dias no exílio suíço, em Lugano, mas, em 1872, fazendo-se passar por um inglês, entra em Itália, onde morre em Pisa. Como comenta um seu contemporâneo, Cantu, caíram-lhe em sorte agentes indignos; e um chefe de partido muita vez parece dirigir os seus subordinados, mas obedece-lhes. Como Hamlet, cujas ideias se não coadunavam com os factos, Mazzini queixava-se de tudo e de todos; inimigo da omnipotência do Estado, inimigo da política de expedientes maquiavélicos, das teorias teocráticas que fazem recuar até às trevas da idade média, restava um vago Deus e Povo. Ele queria acção, mas fazia-a consistir na insurreição, pensando chegar à democracia pelos caminhos da demagogia. Buscou aproveitar-se dos tumultos que ele não tinha promovido, em Milão, em Palermo e em Roma; teve a presunção de querer inspirar a política da Europa inteira. E apesar de nunca se ter ligado com os monárquicos, contudo transigia com os príncipes, como representantes da nação, e ofereceu a Itália a Carlos Alberto, a Pio XI, e ultimamente a Bismarck (Novembro de 1867), contanto que favorecesse cada um deles as ideias que ele espalhasse .

É, aliás, este mesmo Mazzini que faz renascer as teses imperialistas da Terceira Roma, acreditando que depois da Roma dos Imperadores e da Roma dos Papas teria de surgir a Roma do Povo. Assim, em 1871, propõe que a Itália constitua um vasto império colonial no Mediterrâneo: o estandarte romano tremulou sobre essas terras nos dias em que, após a queda de Cartago, o Mediterrâneo foi denominado o nosso mar. Fomos senhores de toda essa região até ao século V. Mussolini, o inicial militante socialista que, depois funda o fascismo, mais não faz do que dar continuidade a esse sonho.

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Copyright © 1998 por José Adelino Maltez. Todos os direitos reservados.
Página revista em: 05-01-1999.