CONTRA A BULGARIZAÇÃO DE PORTUGAL!

 

Senhor Primeiro-Ministro, Meu caro Dr. José Manuel Durão Barroso

 

O subscritor, simples cidadão da República Portuguesa, uma semana depois do ataque às Twin Towers, escreveu e publicou, neste jornal, um pequeno artigo, onde, depois de dar o seu apoio às instituições da república norte-americana, exprimia a sua angústia, dizendo preferir Kant a Rambo.

 

Dizia então que o tal acto punidor que se avizinhava, visando eliminar os autores morais e materiais do horror a que todos tínhamos assistido, podia ser terapêutico, mas nunca seria suficientemente preventivo, se não houvesse a coragem para a criação de uma semente de Estado de Direito Universal. Sugeria também que os norte-americanos, em nome dos princípios da bela constituição que os gerou, aderissem, imediatamente, aos modelos do tribunal penal internacional.

 

Repito os princípios que, então, assumi.

 

É evidente que o mundo, aqui e agora, não vai vencer o inferno e aceder à salvação, que só a eventual vida eterna e a paz dos santos nos pode trazer. Mas, porque não somos anjos, mas homens, que caem e se levantam, que pecam e se arrependem, também não somos bestas. O mundo é imperfeito, mas podemos aperfeiçoá-lo, criando instrumentos para um mundo menos mau, ao contrário do que proclamam os hobbesianos, desesperados com o homem-lobo-do-homem, sempre em luta com os adeptos da utopia, à procura do bom selvagem.

 

Apesar de não ser adepto do pacifismo da paz dos cemitérios, julgo que todas as guerras são inconscientes nos seus mortos. Em todas as guerras do pretenso bem contra o pretenso mal, mesmo quando o bem triunfou, sempre perdemos muitos pedaços de bem. Em todas as guerras, os guerreiros sempre contabilizaram, de forma utilitarista, que os actos de violência são menos violentos do que os estados de violência que se combatem.

 

Tenho medo que o mundo entre em regime de loucura sem regresso, caso se opte pelo aventureirismo da Lei de Talião e o instinto de "cowboy" esmague o sentido do "rule of law". Porque se os norte-americanos seguirem a puritana sede de vingança, sofrerão a frustração de não poderem cumprir os respectivos objectivos.

 

Seria trágico cairmos na tentação do conflito de civilizações, de cruzadas contra guerras santas, onde cristãos e muçulmanos, se deixem enredar no fanatismo cego de todos os talibans e inquisidores que temos dentro de nós, mesmo quando satirizamos os diáconos remédios.

 

O terrorismo é uma das raízes permanecentes das sociedades contemporâneas. Todos os agentes da Razão de Estado, que com ele, agora, se alarmam, já, outrora, o instrumentalizaram. Todas as ideologias justificaram guerrilheiros do bem contra o mal e elaboraram teorias de guerras justas, quando não de guerras santas.

 

Só abandonamos as teses de Hobbes quando tememos que a violência destrua as flores do nosso quintal. Porque tem razão quem vence e nem sempre vence quem tem razão. Porque a terra de ninguém que separa o amigo do inimigo acaba sempre por ser uma espécie de jogo de soma zero, onde se anulam as virtudes os defeitos de ambas as partes.

 

Há palavras que matam. Há silêncios que são cúmplices do terror. Há ideias com boas intenções que, quando mal interpretadas, nos podem conduzir ao inferno do terror.

 

Já fizemos de milhares de mortes um registo de frieza estatística que guardamos nas páginas coloridas de uma revista. Já todos contribuímos para esse grande pecado que é a banalidade do mal. Mas não nos esqueçamos que, desta, só sairemos se combatermos o crime, não pela guerra, mas por essa anti-razão ao serviço da razão, a que damos o nome de direito. Prefiro Kant a Rambo. O primeiro é real, o segundo, uma figura da ficção.

 

Julgo que, em termos de convicções, nada tenho de acrescentar ao que então escrevi e que até agora reproduzi. Infelizmente, estou condenado a ter que obedecer às decisões tomada pelas instituições da democracia portuguesa, representadas por Vossa Excelência, porque, em tempo de guerra, "my country, right or wrong". Por isso, a partir de agora, me absterei de o criticar publicamente, embora fosse imediatamente favorável ao surgimento de uma alternativa política, nacional e europeia, onde a coragem da justiça expressa por João Paulo II e pela direita democrática dos que não querem ser Estados Exíguos, pudesse rimar com força.

 

Por outras palavras, preferia que a Europa fosse efectivamente, um dos pilares da NATO e que Portugal não aparecesse aos olhos do mundo como província da Espanha, ou como antiga colónia de Londres. E até gostaria que o nosso Presidente da República dialogasse directamente com o povo, incluindo o que o não elegeu, e não se ficasse, muito geometricamente, como simples conclusão de um silogismo, lavando as mãos como Pilatos, numa neutralidade colaboracionista.

 

Dir-lhe-ei, apenas, para finalizar, como membro da tribo político-cultural da direita, que há muitas direitas portuguesas que, tendo o meu instinto e professando os meus princípios, não perdoarão, à actual coligação, um dos mais graves erros estratégicos da história portuguesa a que assisti.

 

Prefiro Kant a Aznar, não apenas pelo primado da moral sobre a política. Prefiro Kant a Bush, também pela superioridade da justiça ao direito e do direito à legalidade. Prefiro Kant a Blair, também por simples realismo, porque recuso que Portugal se submeta ao princípio da hierarquia das potências, em nome de um eventual prato de lentilhas, chame-se petróleo ou novos contratos para empresas de construção civil. Prefiro Portugal ao actual PSD, ao actual CDS, ao actual Presidente da República e ao actual Primeiro-Ministro.

 

Temo que, esta semana, a falsa ordem internacional se tenha convertido numa anarquia bem organizada através de um neo-feudalismo predador, onde os pequenos e médios Estados deixaram de ter, como seu principal aliado, o necessário direito universal, mesmo que aquele que se exprimia pelo hipócrita Conselho de Segurança da ONU. Temo que o futuro direito internacional público volte a ser o direito da paz dos vencedores, onde poderá vencer quem não tem razão, transformando o mesmo no exacto contrário do Estado de Direito Universal, no tal direito que não é direito, como o direito interno dos Estados, que não é internacional, porque dependente dos ditames da pretensa superpotência, e que nem sequer é público, porque a cadeia fica em Guantanamo, o polícia são os "cowboys" e o tribunal não é o Tribunal Internacional.

 

Infelizmente, os nossos amigos norte-americanos têm o grave defeito de nunca terem aprendido com uma derrota, como acontece com os da velha Europa, onde nos incluímos, e onde poderíamos estar orgulhosamente acompanhados. A elite no poder em Washington, filha do complexo militar-industrial e dos universitários e opinion makers por ele subsidiados, é marcada por um falso gnosticismo.

 

Eles pensam que tudo o que ingenuamente fazem representa o bem, o progresso e o desenvolvimento da humanidade. Porque, quantitativamente, produzem cerca do que 90% é o labor científico das relações internacionais e da politologia, levam com eles todos os que mentalmente colonizaram e que, por aqui, os continuam a traduzir em calão e a actuar inquisitorialmente, suprimindo da comunicação social portuguesa, todas as vozes independentes e apenas dando guarida aos anti-americanos que dão aulas em universidades americanas ou foram por Washington subsidiados, para deixarem de receber subsídios dos Saddams Husseins.

 

Infelizmente, as lideranças portuguesas, não querendo ascender, pela inteligência e pelo amor, à ideia portuguesa de libertação, e sem que homens livres as possam converter, parecem preferir uma certa bulgarização de Portugal. Julgo que entrámos num caminho errado.

 

Prefiro continuar em Vale de Lobos, a menos que alguns guerrilheiros de ideias me façam despertar para o bom combate da regeneração de Portugal. Estou plenamente disponível para ajudar a derrubar democraticamente os partidos da actual coligação e espero que não tenha que o fazer votando útil nos partidos da esquerda patriótica.