Nicolau Maquiavel (1469-1527)

 

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O Homem não faz o bem a não ser quando é pressionado pela necessidade

 

 

Niccolo di Bernardo Machiavelli  nasce em Florença, filho de um jurista de parcos recursos, tendo uma história de vida será marcada pelo ritmo dos acontecimentos políticos da sua cidade natal. Com efeito, depois da expulsão dos Medici, Florença vive, entre 1494 e 1498, uma experiência de republicanismo teocrático, com o domínio de Frei Jerónimo Savonarola, a que se segue uma república aristocrática apoiada pelos franceses

•É a partir de então que se envolve na política activa, tornando-se confidente de Piero Soderini, o homem forte do novo regime, quando consegue ser nomeado secretário da segunda chancelaria, responsável pelas relações externas e guerra. E é neste âmbito que conduz várias missões diplomáticas junto do rei de França, do Imperador romano-germânico e do Papa, cabendo-lhe a iniciativa da criação de uma milícia em Florença, substituindo o anterior modelo de recrutamento mercenário

•Quando, em 1512, os Medici regressam ao poder com o apoio dos espanhóis, acaba por ser demitido, preso, torturado e exilado. É então que escreve Il Principe, apenas publicado em 1532, para ganhar a confiança dos Medici.

•Nesta obra, parece tomar como modelo Cesare Borgia (1476-1507), o mais novo dos filhos naturais do Papa Alexandre VI que, feito cardeal aos 16 anos, assumira as funções de capitão-geral da Igreja, aliando-se aos franceses contra os espanhóis. Em 1503, perdera o poder com a morte do pai e o advento do Papa Júlio II (Giuliano Della Rovere), refugiando-se em Navarra, onde morre em 1513.

•Depois de, entre 1515 e 1516, ter escrito L’Arte della Guerra, Maquiavel acaba por aproximar-se dos Medici que, em 1520, lhe encomendam uma História de Florença.

•Morre em 21 de Junho de 1527, onze dias depois de eclodir nova revolução republicana que logo o acusa de traição.

•Só postumamente é que são publicados os Discorsi sopra la Prima Deca de Tito Livio, em 1531 (redigidos entre 1513 e 1517), e Il Principe, em 1532. Por outras palavras, para Maquiavel o pretenso maquiavelismo nunca resultou, como virá a ser timbre de outros insignes pensadores do político, muitas vezes, frustrados activistas da própria política.

 

Il Principe, 1532, redigido em 1513 e publ. em 1532. Cfr. trads. port. de Francisco de Morais, Coimbra, Atlântida Editora, 1935, Berta Mendes, Lisboa, Cosmos, 1945, e Carlos Soveral, Lisboa, Guimarães Editores, 1955;. Cfr. Oeuvres Complètes, trad. fr. de E. Barineou, Paris, Éditions Gallimard, 1968.

L’Arte della Guerra, 1521, redigido entre 1515 e 1516, e publ. em 1521.

Discorsi sopra la Prima Decade di Tito Livio, 1531, iniciado em 1513 e concluído em 1517, e publ. em 1531.

 

 

0Albuquerque, Martim, A Sombra de Maquiavel na Ética Tradicional Portuguesa, Lisboa, 1974; Brunel, P., L'État et le Souverain, Paris, Presses Universitaires de France, 1978; Guillemain, B., Machiavel, l'Anthropologie Politique, Genebra, Éditions Droz, 1977; Lefort, Claude, Le Travail et l'Oeuvre: Machiavel, Paris, Éditions Gallimard, 1972; Manent, Pierre, Naissance de la Politique Moderne: Machiavel, Hobbes, Voltaire, Paris, Librairie Payot, 1977; Maritain, Jacques, «O Fim do Maquiavelismo» [1942], in Princípios duma Política Humanista, trad. port., Lisboa, Moraes Editores, 1960, pp. 193-281; Vedrine, H., Machiavel ou la Science du Pouvoir, Paris, Librairie Seghers, 1972; Weil, Eric, «Machiavel Aujourd'hui», in Essais et Conférences, tomo II, Paris, 1971.

 

1Battaglia (1951), I, pp. 195 segs;  Boutet, 1991, pp. 87-8;  Chevalier, Jean-Jacques, Les Grandes Oeuvres Politiques. De Machiavel à nos Jours, Paris, 1952, pp. 14 segs. ;  Coleman, Janet, Political Thought. From the Middle Ages to the Renaissance, Oxford, Blackwell, 2000, pp. 241 ss.;  Cunha (HBIP), pp. 159 segs;  Edmond, Michel-Pierre, «Machiavel», Châtelet (DOP), pp. 493-50;  Gettel (1936), pp. 163 segs;  Goyard-Fabre, Simone, Philosophie Politique, pp. 56 segs;  Maltez (ESPE, 1991), II, pp. 45-49 e 73-7;  Moncada (FDE), I, pp. 96-10;  Morujão, Alexandre Fradique, «Maquiavel», in Logos, 3, cols. 619-62 ;  Russell, Bertrand, A History of Western Philosophy, 1945 (Nova Iorque, Simon & Schuster, 1972), pp. 504 segs.; Sabine (1987), pp. 249 ss.;  Strauss/Cropsey (1987), pp. 296 ss.;  Truyol (HFDE), II, 1982, pp. 9-2;  Theimer (1970), trad. port., pp. 91 segs; 

 

 

Discorsi sopra la Prima Decade di Tito Livio, 1531

 


 

Utilizando as categorias weberianas, podemos dizer que Maquiavel adopta a moral de responsabilidade em vez da moral de convicção. Adopta aquela moral onde os fins justificam os meios, onde se admite que o homem pode perder a alma para salvar a cidade: se se trata de deliberar sobre a sua salvação (da pátria), ele (o cidadão) não deve ser paralisado por qualquer consideração de justiça ou injustiça, de humanidade ou de crueldade, de ignomínia ou de glória.

•Com efeito, o florentino é um céptico, para quem a a moralidade nasce da necessidade, porque o Homem não faz o bem a não ser quando é pressionado pela necessidade.

•Porque os verdadeiros fins da política seriam o fundar uma República, manter um Estado, governar um Reino, organizar um Exército, conduzir a Guerra, administrar a Justiça, aumentar um Império.

 

 

 

Il Principe, 1532

 


 

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Obra que começa a ser escrita em 1513, mas apenas publicada em 1532. Quando Maquiavel inventa o nome stato para abranger as espécies que tinha disponíveis no seu campo de observação italiano, as repúblicas e os principados, não olha a partir das comunidades, mas antes, de cima para baixo, a partir das entidades que têm autoridade sobre os homens. Ele observa fundamentalmente a fragmentação dilacerada da Itália, onde há Estados de república e Estados dos príncipes e onde, nos principados, haveria que distinguir os que são hereditários dos que são novos e onde, dentro dos novos, tanto haveria os que são inteiramente novos (caso de Milão sob Sforza) como os membros adjuntos ao Estado hereditário que os conquistou (caso de Nápoles para o rei de Espanha).

O laboratório de Maquiavel não é o poder institucionalizado existente em Inglaterra, Portugal, França ou Espanha, mas um terreno movediço de usurpações e conquistas onde os povos não estão habituados a viver segundo as suas leis e em liberdade e onde príncipes tentam impor novas ordens e novos costumes, onde há reis a que faltam reinos, havendo necessidade de construir todo o edifício.A Itália é um país sujeito a potentados internos invasões estrangeiras, onde proliferam principados originados na perfídia ou noutra violência execrável, ou seja pela virtù, mas onde também surgem principados civis, onde o factor de acesso é a astúcia afortunada, conseguida pelo favor popular ou pelo dos grandes .Se no século XIII, com São Tomás, face à emergência dos reinos, se dera um regresso da política, eis que, dois séculos depois, com Maquiavel, face à emergência dos principados, vai dar-se a separação entre a política e a moral. A política passa então a ser considerada mera técnica de aquisição, conservação ou aumento do poder dentro de uma determinada unidade política e entre as diversas unidades políticas. A política, que, segundo o mesmo Maquiavel, tem apenas como finalidades fundar uma República, manter um Estado, governar um Reino, organizar um Exército, conduzir a Guerra, administrar a Justiça, aumentar um Império, passa, a partir de então, a significar o mesmo que arte política, uma arte independente num mundo imperfeito, visando responder a esta pergunta: che cosa é principato, di quali spezie sono, come é si aquistano, come é si mantengono, perchè si perdono (que coisa é o principado, quantas espécies existem, como se adquirem, como se mantêm e como se perdem) . Com efeito, para Maquiavel, a imutabilidade da natureza humana, tornando previsíveis as reacções dos homens, permitiria estabelecer a política enquanto ciência experimental. Como ele próprio escreve, sendo aquelas coisas feitas pelos homens, que têm sempre as mesmas paixões, resulta necessariamente que dão lugar ao mesmo efeito. Neste sentido, o poder aparece como estrutura ou aparelho composto por homens que decidem e usam da força como argumento final para serem obedecidos e que mesmo quando não a usam, exibem-na permanentemente, pelo que pode dizer-se que desmistificou o fenómeno, demonstrando a existência de uma luta pela capacidade suprema e pela manutenção do seu uso. De facto, Maquiavel introduz um novo método e um novo estilo no tratamento das coisas políticas. Ao contrário da moral cristã dos Espelhos de Príncipes, dedutiva, baseada nos princípios, ele adopta o método indutivo, porque, da experiência, dos comportamentos humanos, tenta elaborar máximas. Por exemplo: analisando a experiência da intervenção do rei de França, Luís XII, em Itália, que reforçou o poder dos papas Alexandre VI (Bórgia) e Júlio II (Della Rovere), considera que aquele que permite a alguém tornar-se poderoso, arruina-se a ele mesmo. Outro dos princípios maquiavelianos está por exemplo na consideração de que existe um ciclo político natural, onde a ascensão política é sempre seguida por uma fase de decadência. O novo método assenta principalmente numa racionalidade calculista e utilitarista. Primeiro, a perspectiva da vida social como uma espécie de anarquia de grupos sociais em permanente conflito relativamente à conquista do poder supremo. Segundo, o pressuposto onde a acção do detentor supremo, do Príncipe, parece ser a única que permite transformar os súbditos em átomos mais ou menos homogéneos, transformando-os, quantificadamente, numa planície de elementos unidimensionais, situados num mesmo nível de dependência relativamente a uma entidade superior. Da mesma forma, o movimento social é perspectivado como uma anarquia de grupos sociais em conflito permanente. Neste sentido, tanto as perspectivas do utilitarismo individualista de certa faceta liberalista, como o anarquismo e o marxismo têm remotas origens neste modelo maquiaveliano. O subsolo filosófico que o marca é uma constante antropologia de fundo pessimista, a consideração de que todos os seres humanos são naturalmente seres egoístas, que todos os homens são maus. Porque  os homens actuam pelo curto prazo (è apressa) e não pelo longo prazo (discosto), antecedendo algumas máximas economicistas de hoje, segundo as quais, a longo prazo, estamos todos mortos... Partindo do princípio de que ninguém sacrifica um ganho imediato a pensar num lucro futuro, segundo a lógica de valer mais um pássaro na mão do que muitos a voar, Maquiavel considera que a vida é um jogo de soma zero, onde o enriquecimento de uns é feito à custa do empobrecimento de outros e onde o poder de uns é conseguido à custa da falta de poder de outros. O príncipe é assim visto como aquele que serve para dar aos súbditos uma perspectiva de longo prazo: a intervenção do Principe consiste em igualizar os egoísmos em si mesmos anarquizantes, fazendo-os entrar numa sociedade concorrencial guiada por uma perspectiva de longo prazo . Neste sentido, o poder aparece em Maquiavel como uma síntese da fortuna, da necessitá e da virtú, a expressão de um resíduo irracional, do imponderável, daquela margem de inexplicabilidade que se encontra na história. Primeiro estaria a Fortuna, entendida como uma mulher que, segundo os preconceitos machistas do autor, para se submeter, teria de ser violentada. Uma mulher volúvel que até gosta mais de homens jovens, por serem menos respeitadores, mais ferozes e mais audazes: perchè la fortuna é donna, ed é necessario volendola tener sotto, batterla ed urtarla. Come donna, e amica de giovanni, perchè sono meno rispettivi, piú feroci e con piú audacia la comandano. Logo, um dos elementos mais dinâmicos de toda a acção social é a virtú, a faculdade de acção que irradia sobre o conjunto humano. A qualidade daquele homem que tem grandezza del'animo e fortezza del corpo, um vitalismo equivalente àquilo que Nietzsche vai qualificar como a Wille zur Macht, o apelo a um um homem de acção que concebe a vida como movimento. É a partir destes pressupostos psicologistas que Maquiavel tende a acreditar numa espécie de imutabilidade da natureza humana, a qual, tornando previsíveis as reacções dos homens, permitiria estabelecer a política como ciência experimental: sendo aquelas coisas feitas pelos homens, que têm sempre as mesmas paixões, resulta necessariamente que dão lugar ao mesmo efeito. Porque para se alcançar o fim do salute della patria, non vi debbe cadere alcuna considerazione nè di giusto nè di ingiusto, nè di pietoso, nè di crudele, nè di laudabile, nè de ignominioso, é preciso defender a pátria gloriosamente ou não, todos os meios são bons desde que ela seja defendida. Assim, não pode, portanto, um senhor prudente, nem deve, observar a fé jurada, quando tal observância redunde em seu prejuízo, e quando tenham desaparecido as razões que fizeram que a jurasse. É que se os homens fossem todos bons, este preceito não seria bom, mas porque são maus e não respeitarão para com o príncipe a palavra dada, não tem o príncipe que a respeitar para com eles. Basta recordar estas palavras do florentino: há dois géneros de combate: um que se serve das leis, outro que se serve da força: o primeiro é próprio do homem, o segundo dos irracionais: mas porque o primeiro muitas vezesa não basta, convém recorrer ao segundo. A um príncipe é necessário, portanto, saber usar ou o animal ou o homem que estão dentro dele ... Estando, então, um príncipe necessitado de saber usar bem o animal, deve eleger como tal a raposa e o leão; porque o leão não se defende das armadilhas e a raposa não se defende dos lobos. Necessita, pois, de ser raposa para conhecer as armadilhas, e leão para amedrontar os lobos.

 

Última revisão:15-02-2009