José Adelino Maltez, Tópicos Jurídicos e Políticos, estruturados em Dili, na ilha do nascer do sol, finais de 2008, revistos no exílio procurado da Ribeira do Tejo, começos de 2009

 

Comércio e política

 

 

O ideal racionalista levou à aspiração de transformar todo o Estado numa república democrática onde o comércio fosse Deus.

Fanfani, Amintore

 

Do lat. commercium, de cum mais merx, mercis, mercadoria. A troca de mercadorias. Segundo Hegel, a sociedade dos particulares ou sociedade dos burgueses (bürgerlich), apenas tem como objectivo a prossecução dos interesses dos mesmos particulares, dedicando‑se preferentemente a actividades económicas. Está, assim, marcada por laços de profissão e comércio e tem apenas como objectivo a defesa comum dos interesses.

 

Constant vai preferir uma sociedade mais marcada pelo comércio do que pela guerra. Para ele, com efeito, "a guerra é anterior ao comércio; porque a guerra e o comércio não são senão dois meios diferentes de se atingir o mesmo fim: o de possuir o que se deseja. O comércio não é senão  uma homenagem prestada à força  do possuidor pelo que aspira à posse. É uma tentativa  para se obter gradualmente o que já não se espera conquistar pela violência"( é, "a guerra é o impulso; o comércio é o cálculo". (

 

Para ele "o comércio que foi um acidente feliz é hoje o estado ordinário, o fim único, a tendência universal, a verdadeira vida das nações".

 

Esta ideia aparece também em Destutt de Tracy em A treatise on political economy, Georgetown, 1817, par quem "a sociedade é apenas uma contínua série de trocas" e "o comércio é o todo da sociedade".

 

Hayek: Esse liberalismo que teria nascido da "civilização individualista da Renascença" esteve estreitamente ligado à "expansão do comércio" e corresponde  "a uma concepção da vida que surgiu nas cidades comerciais do norte de Itália", obtendo "pleno desenvolvimento" nos Países Baixos e na Grã Bretanha.

 

Smith considera que existiram quatro períodos na evolução humana: a caça, a pecuária, a agricultura e o comércio. E este último é que teria gerado uma sociedade civil ou comercial, produto de uma espécie de revolução silenciosa que teria ocorrido na Europa e que minou as anteriores instituições sociais.

 

Mill lei da troca internacional (o país mais pobre e menos industrializado beneficia sempre com a liberdade do comércio).

 

List: Esta nação normal "possui uma língua e uma literatura, um território provido de numerosos recursos, extenso, bem delimitado, uma população considerável. Possui forças da terra e mar suficientes para defender a sua independência e para proteger o seu comércio externo. adverso à escola Clássica. Para ele esta "admitiu como realizado um estado de coisas a existir. Pressupõe a existência da associação universal e da paz perpétua, e daí conclui grandes vantagens para a liberdade de comércio" confundindo "o efeito com a causa". Para ele, "no actual estado do mundo, a liberdade de comércio levaria, em lugar da república universal, à sujeição de todos os povos do mundo à supremacia da potência preponderante nas manufacturas, no comércio e na navegação"

 

Paul Ricoeur, que o Ocidente é um produto da Idade Média dos séculos XII e XIII, autêntico "lugar de criação", dado que "foi nesta época que nasceram todas as grandes instituições:a universidade, a moeda, o comércio, o Estado, a vida comercial". As posteriores crises, da Renascença, da Reforma, do Iluminismo e das grandes revoluções do século XIX não passariam, aliás, de meras "crises de crescimento".

 

Badie e Birbaum, que o Estado é o produto de uma história(a da Europa) e de uma época(a Renascença), constituindo um especial modo de centralização e uma especial estrutura política de coordenação. E a Europa dos séculos XVI e XVII queria o desenvolvimento do comércio, a uniformidade legal, o desaparecimento das barreiras legais.

 

O colbertismo, aliás, não passa da aplicação do "individualismo possessivo" às relações entre os Estados. Para ele o comércio constitui uma espécie de guerra entre moedas, "uma guerra perpétua e  e pacífica de espírito e de indústria entre todas as nações". Porque uma nação só se enriqueceria arruinando as outras nações, assegurando uma mais valia de exportações sobre as importações:"pour augmenter les cents cinquante millions que roulent dans le public, de vingt, trente, soixante millions, il faut bien qu'on le prenne aux États voisins"

 

Fichte elabora um modelo intervencionista de Estado, onde se proibe que os próprios particulares se dediquem às actividades de comércio externo. Como assinala Felice Battaglia, " do individualismo passamos ao socialismo; do Estado Jurídico ao Estado Económico", um Estado que deve "compreender toda a vida em cada um dos seus aspectos"

 

David Ricardo (1772‑1824)* em Principles  of Political Economy and Taxation, de 1817 Defende encomiasticamente o "livre câmbio" considerando que este permite "tirar todo o partido possível dos favores da natureza:consegue‑se melhor distribuição e mais economia no trabalho. Ao mesmo tempo, espalha por toda a parte o bem‑estar, o acréscimo da massa geral dos produtos". Considera, assim, que "a permuta liga entre si as diferentes partes do mundo civilizado por meio de laços comuns de interesse, por relações de amizade e faz dele uma única e grande sociedade"

 

Miguel de Unamuno desejava, por seu lado, o aparecimento do "verdadeiro patriotismo da conjugação do profundo sentido histórico popular, refugiado hoje, ante as brutalidades do capital, na região e no campanário, e o alto sentido ideal, que se refugia no cosmopolitismo, mais ou menos vago, do livre‑câmbio". E isto porque há um "patriotismo dos grandes agrupamentos históricos" que "quando não é filho da fantasia literária dos grandes centros urbanos, não passa de produto imposto a todos pela cultura coercitiva dos grandes terratenentes, dos landlords, dos senhores feudais, dos exploradores dos latifúndios", enquanto "o processo economico‑social moderno, mercantil e industrial, arrancando do livre‑câmbio, traz o verdadeiro cosmopolitismo, a grande pátria do espírito que da troca se alimenta, a grande pátria humana"

 

© José Adelino Maltez

 

Última revisão:06-05-2009

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