José Adelino Maltez, Tópicos Jurídicos e Políticos, estruturados em Dili, na ilha do nascer do sol, finais de 2008, revistos no exílio procurado da Ribeira do Tejo, começos de 2009

 

Crise Crise vem do grego krisis, acção de separar, de romper, que também originou a ideia de crítica, a atitude individual, ou subjectiva, de separação, mais próxima daquilo que se entende por julgamento. Em qualquer circunstância, a crise aparece sempre disfarçada de crítica, porque o julgamento tem sempre tendência para ser polémica, guerra (polemos), luta pela existência e, consequentemente, luta pelo poder.

Crise, em sentido etimológico,  tem, assim,  a ver com um juízo, entendido como decisão final de um processo, num sentido mais amplo do que aquele que tem sido adoptado pela medicina e pela ciência da estratégia, as quais concebem a ideia de crise restritivamente, como aquele momento de viragem em que ocorre a decisão fundamental sobre a vida ou a morte, ou sobre a vitória ou a derrota.

Assim, também não subscrevemos a perspectiva positivista de Saint Simon e de Comte, para quem as épocas críticas se oporiam às épocas orgânicas, isto é, àquelas que assentam num sistema de crenças bem estabelecidas e que se desenvolvem de acordo com uma hierarquia sistémica. Preferimos seguir Pierre Bayle e falar na necessidade de restaurarmos o esprit critique, considerando que o obstáculo ao bom exame não vem tanto do facto do espírito estar vazio mas da circunstância dele estar cheio de preconceitos.

Sobre a matéria, apenas direi que quando não há crise no horizonte, é Portugal que definha em substancial crise, porque a ideia de crise talvez seja tão antiga quanto a própria ideia nacional. Até o sebastianismo permanecente talvez não passe de uma simples mitificação da crise.

Se uns poderão falar, à maneira do primeiro Antero de Quental, na ideia de decadência, já outros, ao estilo de Fernando Pessoa, apontam para a existência de uma tripla camada de negativismo: a decadência, a desnacionalização, a degenerescência. Com efeito, a consciência de crise talvez constitua um excelente estímulo para a superação da crise, através da elaboração das respostas restauracionistas ou regeneracionistas, por vezes embrulhadas sob o signo do seu aparente contrário que é a revolução. Porque quem sente que está em queda assume, naturalmente, a esperança de se levantar.

 

Crise e Direito O mundo das coisas do direito é um mundo de problemas  e de crises. Aliás, crise, em sentido etimológico,  tem a ver com juízo, entendido como decisão final de um processo, num sentido mais amplo do que aquele que tem sido adoptado pela medicina e pela ciência da estratégia, as quais restringem a ideia de crise àquele momento de viragem em que tem lugar a decisão fundamental sobre a vida ou a morte, ou sobre a vitória ou a derrota.

Assim, dizer crise também não significa defendermos a perspectiva positivista de Saint Simon e de Comte, para quem as épocas críticas se oporiam às épocas orgânicas, isto é, àquelas que assentam num sistema de crenças bem estabelecidas e que se desenvolvem de acordo com uma hierarquia sistémica.

Por nós, julgamos que não vale a pena proclamarmos um tempo de crise, enquanto tempo de decadência, para voltarmos a qualquer época teológico-científica, capaz de estabelecer o pensamento único de um fim da história, porque qualquer tempo será sempre de crise, de sucessivas decisões pessoais, sem o apocalíptico de um qualquer fim. Porque a uma ordem complexa, sucede sempre uma nova ordem ainda mais complexa, com novos sinais de divergência e novos sinais de convergência, isto é, com novos desafios, apelando para uma mais intensa harmonia.

Talvez façamos parte de outra família de pensamento. Daquela que pretende refazer o renascimento, regressar para seguir em frente, sem dizer que o passado são trevas e que o futuro é a modernidade das luzes, só porque estas obedecem à enciclopédia do pensamento dominante. Urge reconhecer que, depois dos grandes pensamentos abstractos, segue-se a hermenêutica; depois dos grandes períodos de sistemismo, vêm sempre os individualismos do desencanto.

E quem assumir a esperança do optimismo antropológico, que acredita tanto no progresso desenvolvimentista do crescer quantitativo como no superior progresso da evolução espiritual do crescer qualitativo, tem de apontar as vias daquele mais além que manda evoluir para cima e para dentro.

Porque a liberdade não nasce da certeza, mas da incerteza (Sören Kierkegaard). Porque o oposto ou o contrário da liberdade, o momento da contradição no processo volitivo, formam um todo único com o próprio processo (Benedetto Croce).

 

Crise e Estado Stéphanne Rials considera que o Estado, porque é racionalidade, se confunde com a própria ideia de crise: de uma maneira estrutural, o Estado é intrínsecamente crise.. a acracterística do estado que aparece e se desenvolve ao mesmo tempo que a consciência histórica, é a de gerir as crises de modo dinâmico. E isto porque na vida do Estado o normal é não haver normalizações de comportamentos sociais, tal como na história nada se repete e tudo se transformar num processo que é sempre encadeamento de processos. Considera assim que o Estado é o lugar onde a sociedade se reflecte, se mediatiza, se pensa, se torna a instância onde se têm de regular o conjunto das crises e das tensões da sociedade.

 

Crise do Estado Soberano Está em crise o modelo de Estado que, de cima para baixo, do soberano para os súbditos, pretendia construir uma nação. Está em crise o modelo de construção do político onde se dá o primado do poder sobre a liberdade, o predomínio do Estado-aparelho-de-poder sobre o Estado-comunidade, do principe sobre a república. Utilizando as categorias de Maquiavel, diremos que estão em crise os principados, não estão em crise as repúblicas. Mas, se utilizarmos termos paralelos, diremos que estão em crise os soberanos, mas não estão em crise as nações Está em crise aquele modelo absolutista do político que continua o processo dos déspotas esclarecidos, como Luís XIV, Frederico o Grande da Prússia, Pedro o Grande da Rússia ou o nosso Marquês de Pombal. O modelo que permaneceu e se reforçou com o Estado jacobino da Revolução Francesa, principalmente de 1792 a 1796, constituindo um dos primeiros modelos de um Estado terrorista que é continuado por Napoleão, Lenine, Mussolini, Hitler, Estaline, Mao ou Pol Pot. Esse que tratou de executar adversários pela simples razão de pertencerem a um grupo diferente, considerado como contra-revolucionário, esse que reinventou o delito de opinião e que aumentou a massa dos prisioneiros de consciência; esse que praticou massivamente o genocídio; esse que utilizou como forma de governar a confiscação e que transformou o cidadão em carne para canhão. Está em causa o modelo de Estado que tentou praticar a engenharia social  para a construção de um homem novo. Está em crise o poder, não está em crise a liberdade. O poder nasceu para se discutir, a liberdade para o discutir. Como dizia Hannah Arendt, enquanto a independência nacional, ou seja, a isenção de dominação estrangeira, e a soberania do Estado, ou seja, a pretensão de total e ilimitado poder nas relações externas, estiverem identificadas. Julgamos não estar em crise o modelo de nação-Estado, isto é, da nação que pretende resistir como polis ou da nação que pretende autodeterminar-se. Aquele modelo que, em nome do small is beautiful, pretende que, a cada nação, corresponda um Estado, que o universal possa atingir-se através da diferença

 

© José Adelino Maltez

 

Última revisão:06-05-2009

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