José Adelino Maltez, Tópicos Jurídicos e Políticos, estruturados em Dili, na ilha do nascer do sol, finais de 2008, revistos no exílio procurado da Ribeira do Tejo, começos de 2009

 

Sistema Partidário

 

 

Politologicamente falando, é um erro reduzir o sistema político ao sistema político partidário. O sistema político é um todo, onde o sistema politico-partidário constitui um simples subsistema, ao lado de outros subsistemas, como o social e o económico, e integrado num determinado ambiente internacional. O poder político, aquele poder que produz decisões políticas, também não é uma coisa que possa conquistar-se, como uma espécie de terra de ninguém. O poder político é uma relação entre vários poderes e micropoderes...

Portanto, falar em qualquer reforma do sistema político-partidário, pensando exclusivamente a partir das suas quezílias intestinas e julgar que, de cima para baixo, ou de dentro para fora, é possível alterá-lo, constitui mero exercício de ilusionismo que não consegue intervir nas circunstâncias do ambiente que não só o condicionam, como também o conformam. O sistema politico partidário não passa de uma peça de um mais vasto sistema político. Não passa de um mero subsistema dentro de um sistema bem mais amplo que o diluiu.

Os factores próprios de poder que o dito subsistema politico-partidário tem que gerir são ínfimos, pois grande parte da nossa soberania não passa de simples capacidade para gerirmos dependências e interdependências. Da mesma forma, o poder internacional do Estado português não é uma coisa, é uma relação, medindo-se menos pela física do poder e mais pela estratégia, onde as grandes potencialidades podem transformar-se nas grandes vulnerabilidades, e vice-versa.

Por tudo isto, importa ganharmos consciência da nossa dimensão, percebermos que, mesmo integrados na União Europeia, importa vivermos com aquilo que efectivamente temos e que, até no plano científico, não deveríamos viver acima daquilo que produzimos. Esse excedente de sociedade de abundância que por aí pulula é artificial, resultando de subsídios dos outros que, longe de significarem solidariedade, apenas constituem contrapartida indemnizatória face aos factores de autonomia de que fomos abdicando.

Quem não tiver consciência desta realidade está a perder a tal fibra multissecular que nos deu o essencial de quem sonhamos ser. Aquilo que Herculano, muito simplesmente qualificava como a vontade de sermos independentes. Esse qualquer coisa que nos levou ao grito de Almacave do somos livres, nosso rei é livre, quatro séculos antes de Maquiavel ter cunhado o nome Estado. Quatro séculos e meio antes de Bodin ter construído o conceito de soberania. Seis séculos antes de começar a balbuciar-se o princípio das nacionalidades. Essa revolta portuguesa que suscitou 1640, 1820 ou aquela geração que tratou de cantar os heróis do mar por ocasião do Ultimatum.

Tal como sempre, o nosso actual demoliberalismo padece dos males da falta de influência dos intelectuais sobre a actividade política; das manias das falsas elites em confronto com a tentação populista e vanguardista; da falta de tradição partidária em comparação com a enraizada democracia das comunidades políticas infra-estatais; da permanente tentação do confronto entre um pretenso Portugal Novo e um real Portugal Velho.

Por tudo isto, utilizando as terminologias weberianas, acrescentarei que a ciência política tem também direito ao desencanto (Entzaubrung), a consequência inevitável do desenvolvimento de uma perspectiva racional-normativa, marcada por uma exagerada moral de responsabilidade, num universo ainda carregado de legitimidades tradicionais e carismáticas e que só pode racionalizar-se pelo recurso ao esforço de uma moral de convicção, geradora de uma perspectiva racional-axiológica.

 

© José Adelino Maltez

 

Última revisão:12-04-2009

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