SEMPRE A DOR DE NAO SERMOS Deram-nos a lua para epopeia
com transmissão directa pela televisão
e assim nos ilusionámos todo
homens do século vinte.
Que interesse pode ter para mim que a Mariner Ten
tenha tirado fotografias ao planeta Mercúrio?
Mercúrio fica mais longe do que Paris
e ninguém lá pode chegar no comboio das sete...

Às vezes apetece esquecer
quem sonho poder vir a ser
e no passado apenas procurar
o sentido dos passos que não dei.
Apetece voltar ao passado,
sem ter que voltar atrás.

Viver o tempo presente abstractamente
Esquecer a sociedade de que sou pertença
e imaginar que é possível fundar nova cidade
Que posso ser rei de mim mesmo soberanamente.
Sobretudo, esquecer que nada disto pode acontecer
Que há prisões, polícias
emprego, horários, muros,
impostos e folhas de vencimento.

Ah! Quem dera esquecer
que só com os outros podemos ser
desses humanos animais, bem sociais
onde nós precede o eu
e o próprio amor exige dois.
Ah! Quanto cansa a dor da solidão,
mero intervalo de ilusão
nesta prisão de sermos com.

Dói tanto este sonho romântico
de ousarmos voltar a ser
simples cidadão aldeão
de um concelho que já não há.