DIA A DIA, NOVE LUAS
No Princípio Era o Mar, p.32
Dia a dia, nove luas,
dia a dia, meu amor
ganhando corpo_
Quantas vezes minhas mãos
te deram vida
a rudeza dos troncos,
o sabor da terra
a própria alegria da cidade
em dia de primavera
No jardim à beira da nossa casa.
as árvores já reverdeceram
e lá ao longe, por entre os prédios,
as águas do Tejo
ganharam a cor do céu.
Já nos dão sentido de viagem
restos do mar imenso
que te hei-de ensinar
Sobretudo aquele dia de sol
entre o mar e a serra
quando o verde dos pinhais
nos fez assobiar.
Nesse dia me recordo
que, no infinito,
prometi que te havia de ensinar
esta sede de mar
que é Portugal dentro de mim.
Que a pátria não será
nasceres aqui por acaso,
mas o segredo
que à liberdade dá sentido.
Apenas tenho medo
de não saber dizer-te
que além do mundo
pode ser Deus.
Prefiro ensinar-te os sinais
que o pressentem:
o barulho das ondas,
o fulgor do sol
o porquê da dor.
Em minhas mãos hás-de sentir
o mistério de existir
que sempre te há-de marcar
E depois quando cresceres
por ti próprio
tudo vais reaprender
Que sejas sobretudo
um navegante!
E se fores navegante
com sentido de distância
haverá sempre
ilhas por descobrir
no oceano da existência