Do pai do meu pai

 

Apetece registar, aqui, ti Zé Horácio,

pai de meu pai, que me deu o nome de família.

Era homem de muito cismar,

usava colete, casacos de jaquetão,  

cofiava breve bigode 

e comprava O Século todos os dias.  

Tinha sonho demais 

para ficar quieto em seu quintal.  

Fez a tropa em Tancos, 

ratinho, carpinteirou por Beja,  

e até esteve nas aparições de Fátima,

em mil novecentos e dezassete.  

Mas, segundo me disse, já velhote, 

do sol a bailar, só nuvens viu. 

Depois de muitas viagens e breves leituras,   

acabou por deixar prender-se

às vistosas vidraças e portadas  

de uma casa que teve de edificar,

para sustentar seu casamento.  

Morreu de tédio, sempre a recordar  

o sótão dos mistérios que já não tinha

e a oficina onde guardava, nas ferramentas, 

os planos das muitas coisas que não fez.

Faltaram mansos prados por onde corressem

as cheias bravas de suas mágoas,

verdes campinas onde pudessem ter delongas

os meandros da viagem