Este beira-mar que somos

 

 

Ir, de porto em porto,

à procura de quem sou

e sossegar meu corpo,

já cansado de não chegar.

Viajar, assim, dentro de mim,

navegar por navegar,

vivendo a aventura

de não poder regressar.

Algas, braços, olhos marítimos

de sorver naufrágios,

proas em bruma

na procura da manhã.

Esta mistura de bruma e de mar

nos agrestes dias atlânticos,

este beira mar que somos.

Os pés peregrinando praias

em passeios sem fim

e o vaivém das ondas

marulhando em mim.

Palavras rudes e singelas

como os rochedos da maré vazia,

palavras irreverentes,

inscritas no rosto de quem sonha.

Já não sopram ventos de remorso

e o mar é berço que baloiça

em teu colo de bonança.

Já passou a tempestade

e a calma vai regressando

à vastidão que me sitia.

Mais nada, senão silêncio

areias que deslizam mansamente

na ampulheta do peito.