Foi num aqui e agora vivido

 

 

Foi num aqui e agora 

que a memória viva

há-de guardar para sempre.   

Foi num dia azul de sol

num aqui e agora

mais perfeito

que a fama da utopia.

Foi num fugaz momento,

feito sonho,

permanecente,

num passado presente

que há-de ser para sempre.

Foi num desses dias de verão,

quando a brisa semeava serenidade

que só as cigarras quebravam.

Foi num dia pleno de luz,

com um sol intenso,

que o sonho de quem somos

ascendeu dentro de nós. 

Que o tempo me traga

um travo de asa,

que o vento me desperte

e meu corpo deslumbre.

O tempo que me resta para viver

já pode voltar a ser. 

O sol, o fogo 

e o tempo depois do tempo.

Fui, então, dizendo 

as palavras reprimidas 

e voltaram a ter sentido 

as coisas mais simples da vida

a que, em vão, renunciara.

Disse todas as palavras que senti 

até que as palavras faltaram. 

Ficaram as mãos 

e as mãos disseram 

frases feitas de gestos. 

Os olhos olharam nos olhos 

e os corpos voltaram

ao amor que lhes deu alma.

No píncaro de uma colina,

na clareira de um bosque, 

sobre um chão de caruma,

quando o sol de meio dia

nossos olhos acendeu

e os corpos alumbrou.

No silêncio das coisas que se não dizem,

num momento com sabor a eternidade,

esse tempo que, passando,

livremente, nos vai prendendo.

Porque, vivendo o que sonhámos,

podemos, depois, recordar

o que, então, vivemos.

Viver é pensar vida vivida.

Deixem-me, pois, registar,

no vazio deste papel,

sem palavras sopesadas,

a verdade de quem sou.

Deixem que, ao correr da pena,

possa dizer que a dor da espera,

afinal, valeu a pena.