Um adeus que não houve

 

Um adeus que não houve

fez-nos ser para sempre 

e teu nome proibido

ficou gravado dentro do meu. 

As marcas do teu rosto, 

a cartografia do corpo, 

o além que procurámos

e que nos fez ausência.

Foi numa tarde triste de sol,

enevoado,  

numa rua deserta da cidade.  

Foi no tempo da pátria prometida, 

quando tacanha gente ainda servia,

aquilo que pensava ser sua missão 

e a angústia da guerra preenchia 

os interstícios da rotina. 

Foi a fluidez da nuvem, 

o breve risco da brisa, 

o mistério da semente. 

Foi numa tarde triste de vida,  

nesse dia da nossa despedida,

entre as casas vazias

de uma cidade que já não há.   

Chamei por ti,

e vieste ao meu encontro,  

falei, falaste.

Falámos vagamente  

das revoltas do passado  

e nada dissemos em futuro.  

Falámos por falar,

não nos ouvimos.  

E, resguardando nossos gestos,  

não dissemos sequer

o que sentimos.   

Que palavras trocámos,

não recordo.  

Foi a primeira vez que, em falando,  

não nos falámos.  

Ao longe, os ruídos da cidade  

e um comboio que partia,  

quebrando amarras  

que o ligavam 

à pedra do passado.   

Regressei, então, à solidão  

dos meus passos sem sentido,

mas não guardei rancor  

dessa nossa despedida.     

Ficou para sempre

um silente vazio  

e a dor de saber

que o tempo todo que vier  

não nos fará esquecer.  

Voltei a ver-te

algumas vezes,  

sem que me visses  

e, rememorando amor,  

amando através de ti,

fui fingindo

para mim mesmo  

que eras velha fotografia  

de um álbum de família.  

Tentando justificar

o que não pode ter perdão,

apenas fingi demonstrar

que o amor não existia…