BIOGRAFIA
Quando tentar transformar em sistema
o meu desordenado álbum de recordações,
serei obrigado a fingir unidade
nos meus contraditórios desejos de vida.
Julgo que só poderei concluir uma biografia
no próprio dia da minha morte.
Sou apenas a máscara de quem sou
neste palco que me deram para viver
e sofrendo tal disfarce
vou cumprindo o papel que Deus me deu
para bem representar a história
que outrém para mim escreveu.
Queria deixar, para depois de mim, algo de mim,
qualquer coisa gravada para os vindouros outros,
que me vierem a ler.
Para saberem que por vezes fui além
daquilo que socialmente me obrigaram a parecer.
Queria eternizar instantes,
saudando o tempo que há-de ser,
semear nos outros que sonho ser.
Mas não sei se conseguirei,
com a caneta diante do papel,
gravar palavras a cinzel
nas pedras do meu caminho.
Amanhã, minha memória há-de mentir.
quando nos interstícios do passado
procurar pedaços de vida por cumprir,
poemas por fazer, aventuras por viver.
Quando, palavra a palavra, regressar
sobre estes destroços de mim mesmo
que enchem gavetas com resmas de papel.
A única verdade que na verdade sou
são estes pedaços de poemas,
estes fragmentos de quem fui,
que quem sou já não entende.
O passado não é senão imaginação,
ficção do que fomos, esquecimento.