CLAUSTROFOBIA
Temos nostalgia pelo amanhã
esta saudade de futuro
que irrompe do passado
e dá sentido ao presente.
Escrevo para dizer não a quem não sou, esta violência que de mim se apodera, esta
descrença, este nem deus, nem amor, nem esperança, este ter de viver aqui, na prisão
das coisas em que me comprometi.
Somos todos fila, sem ordem nem desordem, arrastados, dolentes, intermitentes, num um a
um que não é mais do que um, nem sequer o próprio um, mas gente sem destino e mera
dispersão. E ombro a ombro, arrastamos no Rossio nossa tristeza. Sou de uma geração que
não venceu a guerra e que na pátria não achou abrigo. Meu país desgosto de viver aqui.
De repente pode romper de novo
a alegria de estar vivo.
Mesmo aqui, nesta falta de horizonte
das vinte e tantas paredes
destas quatro assoalhadas
onde estou domiciliado.
Mesmo aqui, neste lar
de cimento armado,
no labirinto das ruas deste bairro
traçado a compasso e esquadro,
mesmo aqui nesta rotina baça
em que dia a dia vou fenecendo,
a correr contra o meu tempo.
Dê-me senhor notário uma escritura
um pedaço de papel azul,
devidamente selado,
qualquer título que me dê direito
ao uso, fruto e abuso
daquela terra de semeadura
onde quero implantar meu lar.
Não sei quantos metros quadrados
que me dêem espaço para vencer
esta urbaníssima claustrofobia
de só em fila poder passear.