DEIXEM QUE DEIXE DE SER

Quem me obrigam a parecer
é um ser que nada vale,
simples cidadão nacional
que tem o dever se ser igual
pelo tamanho do que menos vale.




nrma65

Não tenho nada de meu
senão quem fui
sepulto nos escombros
de quem sou.
Apenas eu,
apenas este quem fui
que pressente
quem não sou
mas hei-de ser.

Dói tanto ser quem sou
nesta procura de um tempo
apenas meu.
Esta urbaníssima dor
de estar sozinho
no meio de tanta gente
e apetecer polir
os granitos do caminho.


Deixem-me só
sedento de ter sede
Nada me dêem senão
a prisão do pensamento
aqui fechado
em meu deserto
aqui sozinho
no meio da multidão
Deixem-me só e deserto
sozinho em mim
sem mais ninguém comigo
sem ninguém sequer
que me dê fogo
Deixem morrer meu ser
esqueçam quem fui.
Deixem que deixe de ser
sozinho com meu remorso
deixem esquecer

Deixem morrer meu ser
esqueçam quem fui
lancem sobre mim a poeira do silêncio
Deixem que deixe de ser
deixem-me só com meu remorso

Gritem bem alto altifalantes
a indignidade de quem sou
deixem-me só em solidão
nu e deserto
numa ilha de pedra
nu e secreto
em pleno deserto
assim sedento de ter sede
Não me dêem senão
a prisão do pensamento
este ser livre sem porquê
de estar aqui e ser além
Deixem doer em mim
a dor de não ser
exposto no meio dos outros
em plena multidão
no pelourinho nu e exposto
Deixem-me morrer
sem glória
mudar meus sonhos em frustração


Não tenho nada de meu senão meu nome
aqui sozinho
diante do silêncio de quem sou
não tenho nada de meu
senão meu eu
aqui perdido
sozinho, sem mais ninguém
sem ter que pedir perdão
sem ter que pedir nada a ninguém

deixem-me vagabundear pelo mundo
circular, passear
enfrentar sozinho os medos da noite
defrontar todos os fantasmas

deixem-me seguir meu caminho
prosseguir meu ritual
sozinho sem horários nem sinaleiros
deixem-me a liberdade de circular
homem só
sem regulamentos que o detenham
sem as peias cinzentas
de um tempo sempre igual
descobrir sozinho minhas tormentas