ESCREVER QUEM SOU
Noite dentro,
exercitar o ritmo do meu poema,
nunca cansar-me de procurar beleza.
Deslumbrar-me de música
e sonhar.
Fazer do pensamento
um verso do universo.
Sentir a harmonia do silêncio
na música do mar,
inebriar-me de sonho,
sofrer a brisa
e deixar escorrer
entre meus dedos
as areia longa do tempo.
Porque, enquanto viver continuarei escrevendo
sempre a caneta sobre o papel
a tentar domar quem sou
e este prazer de sofrer o silêncio
da procura para onde vou.
Meu prazer de escrever quem sou.
4 de Outubro de 1975
Não sei o que hei-de escrever,
mas sei que tenho de escrever
retomando palavras que concitem
as raízes do meu grito.
Verso a verso, traduzir
esta pressão a mais dentro de mim.
Há secretas forças que suscitam
alguns outros que não sou.
Dia a dia escrever e rescrever
dia a dia peregrinar meu ser,
dia a dia, poemizar quem sou.
Porque ser é escrever
e escritura criatura
escrever quem julgo ser.
Palavra a palavra, procurar meu signo,
palavra a palavra, ficar mais perto
do poema que há-de ser
mas que não sei fazer.
Ser é escrever
e escritura, criatura,
neste escrever quem sou,
neste escrever-me,
descrever-me,
de um poema por fazer
que vou fazendo.
Viver é escrever,
domar quem sou,
lavrar,
no espaço branco
do papel,
as coisas
que apetecem relembrar,
os sons, os ritmos,
neste moldar
da sinfonia que procuro.