ESTE PRAZER DE ESCREVER
Não filosofemos as árvores nem as pedras
neste dia a dia dos dias que vamos sofrendo.
Antes mãos secretamente livres
que saibam domar canções por fazer.
Que as canetas são mulheres
que aos dedos dão
a esguia sensação da criação.
Minhas muitas canetas
companheiras em noites de solidão.
Não filosofemos as árvores nem as pedras
neste dia a dia dos dias
que vamos sofrendo.
Antes mãos secretamente livres
que saibam domar
as vozes incertas,
mãos que contenham
as canções por fazer.
Que as canetas são mulheres
que aos dedos dão
a esguia sensação da criação.
Minhas muitas canetas
companheiras em noites de solidão.
Estar aqui sentado:
a caneta, o papel, a cadeira , a mesa,
e eu próprio diante de mim mesmo
Aqui sentado diante da solidão
ouvindo em fundo qualquer música
que seja apenas música,
sem dizeres que possam poluir
a palavra certa
que procuro descobrir.
Aqui sentado deixando escorrer de mim
as palavras aprisionadas
de um poema por fazer
E dedilhando a lira do momento
novas palavras reinventar
até que o poema redivivo
possa de novo acontecer.
Aqui sentado, forçando o verso,
aqui sentado a escrever e rescrever
sofrendo o peso do passado.
E sempre a tormenta de peregrinar
sobre meu próprio escrever
procurando na dor da escrita
o prazer de todos os dias escrever.
Estar aqui sentado, forçando o verso,
escrevendo por ter de escrever
quando há tantas coisas que tenho de fazer
quando há tanto poder ser.
Sobretudo essa ilusão de fazer
que me dá razão para viver.
24 de Agosto de 1983