PALAVRA A PALAVRA ME APROFUNDO
Quando vejo meus versos transcritos no jornal,
sinto-me desfigurado, exposto,
como se ficasse nu diante de todos os outros.
E não há pior posição introspectiva
do que ser assim pelourinhado.
O problema está em que qualquer escrevedor
escreve sempre para um abstracto leitor.
Com efeito, todos os versos são feitos para recitar
e a pior coisa que pode acontecer a um poeta
é ficar condenado a escrever para si mesmo
dizendo que está a escrever para a gaveta.
Quem assim confunde o outro consigo mesmo
está apenas a escrever um epitáfio.
Palavra a palavra,
me aprofundo,
e dentro de mim,
longe de mim
vou regressando.
Palavra a palavra,
meu novelo desfio
na teia longa do tempo.
Palavra a palavra,
só no papel confio
os silêncios da solidão.
E poema a poema
eis me disfarço
neste vaivém de quem sou
sobre mim mesmo.
Este poema pena que esvoaça
à brisa de um novo dia.
Este quem sou que não sabe
donde veio para onde vai.
Pedras palavras desencontradas
que dia a dia hei-de erguer comigo
para o poema ganhar sentido