RETORNADOS,REVOLTADOS

Mais valera havermos sido bons burgueses,
mercadores de sal e tripa, em fainas de missangas e comezainas.
Só assim poderíamos ter sido os inventores da economia de mercado
e dos brandos costumes de um deve e haver regrado.

Sem armas nem bagagem,
regressámos de viagem
e postos na praia, abandonados,
na própria pátria desterrados,
voltámos a subir montanhas,
retornados, revoltados.

Quanto dói estar aqui
neste sítio do passado,
pisando as pedras e as areias
de um país revisitado.

Neste discreto recanto
donde ousei o sonho de partir
para desvendar o universo,
sofro agora a dor do meu regresso.

Neste canto lusitano
da terras da velha Hispania,
já sem mar para desvendar,
vai doendo a tormenta de ficar
entre as poeiras e as pedras
das serras do desespero.

Foste pátria de encantar,
pátria de mar e além mar.
Foste porto de partida
para a terra prometida.

Depois de ousarmos mais além
nas terras do fim do mundo,
eis que tristes aquém voltámos
às maternais terras do demo.
E, enrodilhados na derrota,
resta-nos a esperança da revolta.
Cabe-nos tão só procurar
os caminhos do mar imaginado,
onde podemos sempre viajar
descobrindo as descobertas.

As alvas de doce frio
acalentam o desejo
e emigrante de quem sou
volto de novo a quem fui.
Persiste o sonho
na semente que deponho
no ventre da terra cansada.
E resiste o sentido
nestas pedras decompostas
com que vou refazendo
a traça do lar antigo.

Sempre o destino vagabundo
de um singular português
em sua rota derrotado:
saí daqui, regressei
e dentro de mim perdido
de novo me procurei.