Respublica Repertório Português de Ciência Política
Edição electrónica 2004
Animal Político
Quando
Aristóteles proclama que o homem é por natureza um animal político (anthropos physei politikon zoon), diz que a exigência da perfeição, a procura do
bem melhor, a tendência para a realização daquilo que é o seu bem o impelem
para a polis. Não diz que o homem se
une na polis por um bem menor, como
aquele que o leva à constituição da família, em nome da satisfação das
necessidades vitais. Não diz apenas que o homem é um animal social, um animal
que tende para a constituição de comunidades em geral, porque nem todas as
comunidades são políticas. Diz que um determinado bem, o impele para uma certa
espécie de comunidade, a polis. E que
esse determinado bem é, precisamente, o bem melhor. O bem que, por natureza,
lhe exige, não apenas que viva, mas que viva bem. O homem é um animal político,
um animal da polis, um animal que tem
tendência para constituir uma polis,
que é a mais perfeita das comunidades e não uma qualquer sociedade. Ele podia
ser um animal meramente social ou meramente familiar, sem ser um animal político.
E por ser animal político, não deixa de ser um animal social e familiar, onde,
além da base social, há a inevitável raiz animal. É que para Aristóteles o
homem é um ser complexo: pertence ao mundo terrestre (sublunar),
mas faz parte do mundo celeste (supralunar). Ele não é um deus nem um
bruto, mas tem algo de deus e de animal. E a polis está cosmicamente situada na parte superior do mundo
sublunar: aquele que
não tem polis, naturalmente e não por força das circunstâncias, é ou um ser
degradado ou está acima da humanidade. A razão da distinção do homem face os outros
animais está no facto de que, ontologicamente, o homem é único animal que possui a palavra. O único
animal que razoa, que é um animal racional,
como dirão os romanos. O único animal comunicacional, como hoje diríamos. Assim, em Aristóteles, temos
que a voz do homem não se reduz a um conjunto de sons. Não é apenas simples
voz (phone), não lhe serve apenas
para indicar a alegria e a dor, como
acontece, aliás, nos outros animais, dado que é também uma forma de poder
comunicar um discurso (logos).
Graças a ela o homem exprime não só o útil e o prejudicial, como também o justo e o injusto
. É com base nestes
pressupostos que Aristóteles proclama: o homem é o único dos animais que possui a palavra. Ora,
enquanto a voz não serve senão para indicar a alegria e a dor , e pertence, por
este motivo, também aos outros animais (dado que a respectiva natureza vai até à
manifestação das sensações de prazer e de dor, e a significá-las uns aos
outros), o discurso serve para exprimir o útil e o prejudicial, e, por
conseguinte, também o justo e o injusto: porque é especificidade do homem,
relativamente aos outros animais, ser o único que tem o sentimento do bem e do
mal, do justo e do injusto e doutras noções morais e é a comunidade destes
sentimentos que gera a família e polis. Qualquer outra leitura deste
entendimento aristotélico do conceito de animal político, não nos faria entender
o que o mesmo autor escreve logo a seguir: a polis é, por natureza anterior à
família e a cada um de nós considerado individualmente. O todo, com efeito, é
necessariamente anterior à parte, dado que o corpo inteiro, uma vez destruído,
faz com que não haja nem pé, nem mão, senão por mera homonomia ou no sentido em
que se fala de uma mão de pedra: uma mão, deste género, será uma mão morta.