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  Anuário de 1928

 

 

1928

A legitimação da Ditadura – Carmona eleito presidente com 761 730 votos – Salazar, ministro

Da penicilina ao Opus Dei

Pessoa em defesa da ditadura militar

Ep 2 (Março).

Prisões de 5 de Junho Revolução do Castelo (20 a 27 de Julho) Funerais de Magalhães Lima (9 de Dezembro)

Governo nº 99  de José Vicente de Freitas (81 dias). Salazar, ministro das finanças desde 27 de Abril

Governo nº 100 (Julho) Ivens Ferraz (562dias)

Núcleo de Acção Nacional Liga de Defesa da República

 

Remodelação. Morte de João Belo, ministro das colónias (2 de Janeiro). Ivens Ferraz assume a pasta, que já exercia interinamente. Alfredo Augusto de Oliveira Machado e Costa é o novo ministro do comércio e comunicações (5 de Janeiro).

Salazar ao ataque e sob censura – Artigo de Salazar em Novidades sobre O Empréstimo Externo, onde critica Sinel de Cordes. Aí considera que ao exército, que detém, nesta hora, as responsabilidades do Poder, cabe uma grande tarefa que será, ao mesmo tempo, uma patriótica missão: a de sustentar e defender aqueles que forem capazes de levar a bom termo essa obra de regeneração. Refira-se que a censura, na altura dirigida pelo coronel Prata Dias, chega a cortar algumas partes dos artigos de Salazar (3 de Janeiro).

Agitação – Conflitos entre a polícia e os motoristas de carros de aluguer em Lisboa, por causa dos novos regulamentos de trânsito (10 de Janeiro).

Radicais – Directório do Partido Republicano Radical aconselha os seus filiados à inscrição no recenseamento eleitoral (11 de Janeiro).

União Liberal Republicana – Cunha Leal enfrenta o tenente Pinto Correia num duelo em Queluz. Os dois apenas disparam para o ar (13 de Janeiro). Reunião da comissão executiva da União Liberal Republicana, presidida por Francisco da Cunha Leal, escolhe para a direcção do partido Fernando Bissaia Barreto (1886-1974) e Alberto da Cunha Rocha Saraiva. Delibera concorrer às anunciadas eleições (18 de Janeiro).

Regresso à democracia? O jornal Diário de Lisboa anuncia que, em breve, se realizará uma reunião conjunta dos directórios dos vários partidos, tendo em vista a adopção de uma atitude comum face aos anunciados actos eleitorais (18 de Janeiro). Três dias depois, já se comunica que, por falta de acordo a reunião não se realiza. Jornais anunciam que Vicente de Freitas visitará vários distritos para preparar as eleições presidenciais e a organização da União Nacional Republicana. As notícias sobre o mesmo esforço organizacional repetem-se em 7 de Fevereiro, mas, a partir de meados desse mês, nada mais transpira (28 de Janeiro).

Empréstimo da Sociedade das Nações – Seis membros do comité da Sociedade das Nações em Lisboa (13 de Fevereiro). Ivens Ferraz substitui interinamente Sinel de Cordes, que se encontra doente, apenas regressando ao cargo em 7 de Abril (16 de Fevereiro). Ivens Ferraz recebe a delegação da Sociedade das Nações, nos dias 17 e 18 de Fevereiro. Liga de Paris emite novo manifesto contra o empréstimo e dirige uma exposição ao presidente do conselho da Sociedade das Nações (19 de Fevereiro). Bernardino Machado protesta junto da Sociedade das Nações sobre o empréstimo a conceder a Portugal (20 de Fevereiro). Peritos da Sociedade das Nações saem de Lisboa e reúne o Conselho de Ministros (22 de Fevereiro). Ministro interino das Finanças, Ivens Ferraz, parte para Genebra (25 de Fevereiro), à frente de uma delegação constituída por Inocêncio Camacho Rodrigues, governador do Banco de Portugal, António José Malheiro, director-geral da contabilidade pública, António Faria Carneiro Pacheco, Herculano da Fonseca, Raúl de Almeida Carmo e Cunha e Bartolomeu Júnior. Eram financeiros em demasia para tão ruinosas finanças, chefiados por um general muito calvo e abstracto, querendo viver bem com os republicanos e fugindo dos monárquicos (Rocha Martins). Conselho da Sociedade das Nações começa a analisar o pedido de empréstimo português, não aceitando a inconstitucionalidade do governo da Ditadura. Ivens Ferraz, como ministro interino das finanças, está em Genebra (5 de Março), cidade onde também continua António Sérgio, como representante da Liga de Paris. Ivens Ferraz terá declarado em Genebra, conforme relato dos jornais, que Portugal não se vende por 12 milhões de libras!. Ao ouvirem falar em contrôle, os delegados repudiaram as negociações (7 de Março). Governo emite nota oficiosa sobre o pedido de empréstimo (9 de Março). Sessão pública do Conselho da Sociedade das Nações sobre Portugal, presidida por Gustav Stresemann, onde se considera que as negociações relativas ao empréstimo não puderam ainda ser coroadas de êxito (10 de Março). Em 17 de Março, Ivens Ferraz, que é recebido apoteoticamente em Lisboa, numa manifestação organizada pela Liga 28 de Maio, em declarações ao jornal Diário de Notícias, rectifica o que os jornais relatam das suas declarações do dia 7 em Genebra. Terá dito: Portugal, embora nação pequena, grande como é pelas suas tradições, não pode aceitar a humilhação de um controle nem mesmo pelo elevado preço de doze milhões de libras. Há um comício de apoio diante do Palácio de S. Bento com a presença do chefe de Estado. Mas as manifestações começam logo com a entrada do comboio em Vilar Formoso, destacando-se também a recepção feita em Coimbra por estudantes ditos nacionalistas, apesar de algumas contra-manifestações dos reviralhistas de Coimbra. Conselho de ministros analisa a hipótese de lançamento de um empréstimo interno (20e Março). Sinel de Cordes anuncia ao país a procura de um empréstimo externo de doze milhões de libras, para o qual, diz, já haver ofertas, destinado à reconstituição financeira do Estado, e outro, interno, para obras de fomento e limitação da dívida flutuante interna.

Partido emperrado – Jornais anunciam a criação de uma Comissão de Propaganda da Ditadura e já não falam na anunciada criação de uma União Nacional Republicana (29 de Fevereiro). Só volta a falar-se da União Nacional em 30 de Julho de 1930. Em fins de Fevereiro, polícia anuncia a descoberta de uma organização terrorista.

Presidenciais – Encerra o prazo para apresentação de candidaturas presidenciais, apenas tendo dado entrega no Supremo Tribunal de Justiça a de Carmona (17 de Março).

Polícia política – Decreto nº 15 195 unifica as polícias especiais de Lisboa e do Porto criando a Polícia de Informação, na dependência directa e da confiança do Ministério do Interior, com acção a todo o território metropolitano (17 de Março).

Eleição presidencial nº 2 (Março). Carmona recebe 71 730 votos para presidente. É entrevistado pelo Diário de Lisboa, mas não confirma a separação das funções de Presidente do Ministério e Presidente da República (2 de Março).

Extinção da Faculdade de Direito de Lisboa – Conselho Escolar da Faculdade de Direito de Lisboa, perante os boatos sobre a extinção da escola, envia exposição ao governo e ao Presidente da República, com as razões justificativas da sua manutenção (31 de Março). Jornais anunciam que, entre as medidas de salvação pública e de concentração de serviços, o governo terá resolvido extinguir a Faculdade de Direito de Lisboa, a faculdade de Letras do Porto, a Escola Normal Superior de Coimbra, a Faculdade de Farmácia da mesma cidade, as escolas normais primárias de Braga e Ponta Delgada e o Liceu da Horta (1 de Abril). Professor da Faculdade de Ciências de Lisboa, D. António Pereira Forjaz, num artigo publicado no jornal Novidades, apoia as medidas do governo (3 de Abril). Nota oficiosa do governo dá a entender que a notícia de extinção de escolas tinha fundamento, falando-se em algumas medidas apresentadas pelo sr. Ministro da Instrução que, oportunamente, serão publicdas (4 de Abril). Emitido o Estatuto Judiciário. Nesse dia, reúne o Conselho de Ministros que aprova a extinção de várias escolas. Na nota oficiosa publicada no dia seguinte anota-se que o sr. Ministro da justiça não assistiu ao Conselho (10 de Abril). Manuel Rodrigues é exonerado do cargo, sendo interinamente substituído por Bettencourt Rodrigues. Não subscreve o decreto que extingue a escola onde é professor (11 de Abril). Decreto nº 15 365, datado de 12 de Abril, e publicado a 14, extingue as Faculdades de Direito de Lisboa, Letras do Porto, Farmácia de Coimbra, Liceu da Horta, Escola Normal Superior de Coimbra. Contestação generalizada leva a que se mantenha a Faculdade de Direito de Lisboa. O diploma é da responsabilidade do ministro da instrução Alfredo de Magalhães (14 de Abril). Todos os professores da Faculdade de Direito de Lisboa apresentam a respectiva demissão ao governo (16 de Abril). Assembleia-geral dos estudantes da Faculdade de Direito de Lisboa nomeia comissão de luta, onde participa José Magalhães Godinho (17 de Abril).

Carmona toma posse como presidente da República, em S. Bento: só peço a Deus que me dê a felicidade de ver reconciliada, em breve, numa perfeita unidade moral, toda a Família Portuguesa. É a minha suprema aspiração (15 de Abril). Membros do gabinete apresentam demissão e Carmona encarrega José Vicente de Freitas de organizar novo ministério. De certa forma, termina a ditadura militar e a situação, já plebiscitada, assume-se como ditadura nacional.

Governo nº 99 de José Vicente de Freitas (81 dias, desde 18 de Abril). A pasta das finanças apenas vai ser preenchida no dia 27 de Abril, por António de Oliveira Salazar, na véspera de perfazer 39 anos de idade. O nó górdio das finanças marcava, com efeito, o fim da possibilidade de recuperação democrática da Ditadura.

Vicente de Freitas acumula a pasta do interior. Na justiça, José da Silva Monteiro. A partir de 10 de Novembro de 1928, Mário de Figueiredo. Nas finanças, António de Oliveira Salazar, desde 27 de Abril de 1928. Como subsecretário Guilherme Luiselo Alves Moreira, desde 1 de Maio. Na guerra Júlio Ernesto de Morais Sarmento (n. 1875). Na marinha, Aníbal de Mesquita Guimarães. Nos negócios estrangeiros, mantém-se Bettencourt Rodrigues. A partir de 10 de Novembro de 1928, Mesquita Guimarães. A partir de 19 de Dezembro de 1928, Manuel Carlos Quintão Meireles (n. 1880), futuro candidato da oposição ao salazarismo para presidente da república em 1951, tendo como secretário Manuel Maria Sarmento Rodrigues. No comércio, José Bacelar Bebiano. A partir de 11 de Junho de 1928, José Dias de Araújo Correia. A partir de 10 de Novembro, Bacelar Bebiano. A partir de 19 de Novembro, Eduardo Aguiar Bragança. A partir de 11 de Janeiro de 1929, Vicente de Freitas. Nas colónias, Manuel Ortins Torres de Bettencourt (n. 1892) que não toma posse. Desde 25 de Abril, José Bacelar Bebiano. Na instrução pública, Duarte Pacheco (1899-1943). A partir de 10 de Novembro de 1928, Gustavo Cordeiro Ramosö (1888-1974). Na agricultura, o ex-progressista evorense Joaquim Nunes Mexia (1870-1940). Desde 11 de Junho, Joaquim Mendes do Amaral. A partir de 10 de Novembro, Pedro de Castro Pinto Bravo.

Duarte Pacheco vai a Coimbra convidar Salazar para ministro das finanças (19 de Abril). Este aceita a pasta no dia 26. Programa do governo é divulgado na imprensa, acentuando-se a austeridade na política económica e financeira.

Faculdade de Direito – Conselho da Faculdade de Direito de Coimbra manifesta-se por unanimidade pela manutenção da Faculdade de Direito de Lisboa (20 de Abril). Professores da Faculdade de Direito de Lisboa retiram o pedido de demissão, depois de reunião do director, Abranches Ferrão, com Duarte Pacheco (22 de Abril). Será emitida nota oficiosa do governo sobre a matéria no dia 28. Nova assembleia-geral dos estudantes da Faculdade de Direito de Lisboa decide pela comparência às aulas, depois do novo ministro da instrução, Duarte Pacheco prometer que a extinção da Faculdade não é um facto definitivo mas sim um assunto a estudar (25 de Abril). Terceira assembleia-geral dos estudantes da escola decide abandonar as aulas (29 de Abril). No dia 30, aderem à greve os estudantes da Faculdade de Ciências. O movimento alastra a Medicina, farmácia e Letras.

 

A ditadura das finanças – É fulgurante a capacidade reformista do novo ministro, destacando-se a reforma orçamental (14 de Maio), onde se proíbe a criação de novas despesas sem autorização do ministério das finanças, e o primeiro orçamento, publicado em 1 de Agosto, onde se aprova um superavit de 1 577 contos. É a partir de então que, dentro da Ditadura Nacional, se destaca uma Ditadura das Finanças. Como observa Fernando Pessoa: ele estabeleceu imediatamente o seu prestígio quando tomou posse, através de um discurso que é tão diferente dos discursos políticos habituais que o país aderiu a ele de imediato. E o público é incompetente para apreciar uma coisa tão profundamente técnica como as suas reformas financeiras. Ao fim e ao cabo, o prestígio é sempre não-técnico. Um dos pontos não comunicados no discurso de posse e que resultam de um acordo de Salazar com Vicente de Freitas tem a ver com a relação entre a Igreja e o Estado: que nada se conceda à Igreja, mas nada se lhe retire do que lhe concederam os políticos. Salazar passa a ter como subsecretário de Estado do Orçamento Guilherme Luiselo Alves Moreira, desde 4 de Maio. O respectivo chefe de gabinete é Antero Leal Marques, antigo funcionário das finanças de Coimbra. Mantém a colaboração activa do director-geral da fazenda e secretário-geral do ministério Alberto Xavier, republicano convicto e antigo chefe de gabinete de Álvaro de Castro, que chegara a estar preso, durante um mês, em 1927. Outro elemento colaborador, proveniente da anterior máquina republicana, é o governador do Banco de Portugal, Inocêncio Camacho.

O homem-conceito, feito mito – Salazar foi mais do que um homem; foi um verdadeiro fenómeno europeu; ou, se quisermos, por fim, um conceito político, susceptível de se converter mais tarde no suporte de um autêntico mito (Luís Cabral de Moncada).

Comunistas e reviralhistas – Neste mês, militantes do PCP participam em Moscovo no IV Congresso da Internacional Sindical Vermelha. A delegação é constituída por Gambetta das Neves e Bernardo Bandurra. Bernardino Machado instala-se em Paris. Realiza-se o I Congresso Nacional da Pecuária.

1º de Maio – Governo de Vicente de Freitas diz querer transformar o 1º de Maio numa Festa do Trabalho a ser comemorada em serenidade, paz e harmonia social.

Intentona – Polícia política detecta e desarticula nova revolta do reviralho. Várias prisões (5 de Junho).

Remodelação – Em 11 de Junho, José Dias de Araújo Correia, no comércio, e o antigo governante sidonista, Joaquim Mendes do Amaralö na agricultura.

Revolta do BC 10 de Pinhel em Mangualde, atalhada pela acção de Lopes Mateus (22 de Junho).

Revolta do batalhão de Caçadores 7 do Castelo de S. Jorge em Lisboa, sob o comando do capitão João Augusto Gonçalves, visando repor a situação derrubada pelo 28 de Maio (entre 20 e 27 de Julho de 1928). Participam muitos militantes do PCP, grande parte deles deportados e presos. Estudantes republicanos de Lisboa, enquadrados pela maçonaria, criam um Batalhão Académico Anti-Fascista. A revolta estende-se a outros pontos do país, como Setúbal, Entroncamento, Viseu e Mangualde, onde se assumem como revolucionários António Gomes Mota e Aquilino Ribeiroö. Há também focos em Pinhel, Castelo Branco, Algarve e Torres Novas. Tenta-se um assalto à fábrica de pólvora de Barcarena. Entre os revolucionários, aparecem Carlos Vilhena, antigo militante do 28 de Maio, ligado a Cabeçadas, o antigo ministro da agricultura Joaquim Ribeiro, o major Sarmento Beires (1893-1974), o antigo ministro Filémon de Almeida, o antigo chefe do governo coronel Maia Pinto, Godinho Cabral, director de O Rebate, o capitão Frazão Sardinha, o comandante Sebastião Costa, José Eugénio Dias Ferreira, Amâncio Alpoim, Neves Anacleto. A ordem é restabelecida no dia 22 de Julho. Começa a fazer-se o balanço. Contabilizam-se sete mortos e vinte feridos. Há 240 detidos, 171 civis, 44 oficiais e 25 sargentos. Salazar, em declarações ao Diário de Notícias: a mim, interessa-me saber quanto custará ao País e ao Tesouro este pequeno incidente (23 de Julho).

Grandes manifestações oposicionistas por ocasião dos funerais de Sebastião de Magalhães Lima (9 de Dezembro de 1928). Sucede-lhe António José de Almeida. O defunto era, então, Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano Unido. Contudo, o governo da Ditadura faz-se representar oficialmente na cerimónia pelo ministro Cordeiro Ramos que, para o efeito, se desloca ao Grémio Lusitano.

Governo emite Decreto nº 15 790 sancionando os implicados na Revolução do Castelo (27 de Julho). É dissolvido o Batalhão de Caçadores 10 de Viseu. São demitidos muitos oficiais que são deportados para as ilhas. Consta que a alta banca tem auxiliado, por meio dos seus agentes, revoluções e até crimes (Rocha Martins). O governo, em nota oficiosa, declara que irá fazer um rigoroso inquérito para averiguar quais as pessoas e entidades que forneceram dinheiro ou valores para o efeito.

Remodelação – Em 10 de Novembro de 1928, surgem mais dois ministros próximos de Salazar: o amigo Mário de Figueiredo, na justiça, e Cordeiro Ramos na instrução. Salazar que jogara forte na remodelação, contando com o apoio do general Craveiro Lopes, comandante da 1ª Região Militar, não consegue, no entanto, superar os vicentistas que continuam a preponderar. Na altura, a União Liberal Republicana, através de Bissaia Barreto, chega a sondá-lo para assumir a presidência do ministério.