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  Anuário de 2000

2000

 

A revelação do terceiro segredo de Fátima
 

Tradição e Revolução, vol. II)

Cosmopolis

 

Nova presidência portuguesa da União Europeia

Segunda visita de João Paulo II a Portugal

Eleições regionais, com vitória do PS nos Açores

A pacatez lusitana – Portugal continua a viver num pacato espaço fechado, onde qualquer intelectual ainda tem que parecer amigo desse Alex lusitano, nutrido pelas ideias dos revolucionários frustrados do Maio 68, os tais que nunca tinham digerido suficientemente as anteriores vitórias eleitorais da Aliança Democrática e de Cavaco Silva. Do mesmo modo, os grandes ausentes-presentes, como Mário Soares, Diogo Freitas do Amaral, Álvaro Cunhal ou Adriano Moreira, parecem entretidos nas suas tarefas de revisionismo memorialista, como se o país pudesse confundir-se com um epitáfio conjunto, organizado pela jornalista Maria João Avilez. Todos estes marechais, solidamente afundacionados ou prebendados em jobs, sempre poderiam sentenciar sobre o dever-ser das instituições que outrora geriram, esquecendo que ser senador não é o mesmo que ser gerontocrata. Quase todos padecem daquele mal dos sábios positivistas que, desordenando as ideias dos outros, esquematizam as suas paixões para as definirem depois como conceitos, para utilizarmos as palavras de António Sardinha sobre o magistério de Teófilo Braga. Mesmo as águas da opinião crítica dos opinion makers parecem plácidas para os próximos séculos. Qualquer director de jornal sabe que basta repartir os artigos conforme a percentagem eleitoral e o peso dos accionistas, com dois terços para os socialistas democráticos e um terço para os sociais-democratas, ou vice-versa, desde que os mesmos sejam condimentados com certas margens da direita e alguns ex-radicais de esquerda. Porque no meio circulam as famílias do costume. O clã Portas, com um filho na direita, radical, e outro na esquerda, também radical, rivaliza com a família Soares/Barroso, todos sentenciando sobre tudo, do futebol à gastronomia, da crítica musical à paz universal, do catolicismo militante à mais histórica das maçonarias. Os outros clãs apenas têm inveja do senatorialismo militante de Marcelo Rebelo de Sousa, capaz de sitiar o parlamento e de arreliar a presidência. Mas o estilo Zip Zip parece perder a capacidade de manobra, dado que Carlos Cruz e Herman José se assumem cada vez mais como uma espécie de Eusébios eleitorais e símbolos da nossa identidade ameaçada.

Lisboa volta a ser capital da Europa – Portugal, durante seis meses, volta a ser presidente da União Europeia durante seis meses. Mas já não se utiliza o Centro Cultural de Belém, construído pelo cavaquismo para tal efeito.

Segunda visita de João Paulo II a Portugal, para a beatificação dos pastorinhos de Fátima (13 de Maio). No dia 26 o Vaticano revela o chamado terceiro segredo de Fátima.

Debates de Julho – No mês de Julho há intensos debates sobre o estado da nação, discute-se uma moção de censura apresentada pela oposição e analisa-se o desempenho da presidência portuguesa da União Europeia, a que acresceu a apressada aprovação de algumas emblemáticas leis, desde a conservadora reforma da segurança social à não plebiscitada descriminalização do consumo de drogas.

A esquerda e a direita do novo milénio – A esquerda e a direita não passam de posições relativas que variam conforme as circunstâncias e que só desabrocham numa democracia pluralista e competitiva, pelo que ligá-las a situações autoritárias ou totalitárias do passado apenas interessa a quem não sabe que, num sistema político aberto, qualquer partido é sempre uma parte em competição com outra parte, onde só há esquerda porque há direita e vice-versa. Só os utopistas do passado, isto é, os reciclados de extrema direita e de extrema esquerda, é que conseguem fazer uma distinção substancial e ontológica entre a direita e a esquerda, não percebendo que tanto uma como outra são meras posições relativas que têm como pressuposto uma democracia pluralista e competitiva. Servem para qualificar meros partidos ou grupos de partidos, isto é, partes em competição com outras partes, onde qualquer esquerda para o poder ser precisa sempre de uma direita e vice-versa. Aliás, a direita e a esquerda variam conforme as circunstâncias, não sendo raro que muitas esquerdas sejam antigas direitas e que haja governos de direita com programas de esquerda e governos de esquerda com mentalidade de direita. Por isso, as analogias com modelos antidemocráticos são sempre falaciosas, dado que todas as situações autoritárias e totalitárias sempre disseram que estavam acima da direita e da esquerda porque todos nunca eram demais para servir o país. Basta recordar que, à semelhança da terminologia de Estaline, também o partido único do nosso regime derrubado em 1974, no seu último congresso chegou a assumir a designação de centro, quando já não podia esconder que havia partes em Portugal. Felizmente que o nosso regime político, desde abandonou as tentações vanguardistas, assistiu a uma sucessão de governos de esquerda e de direita, com eleitores geneticamente de esquerda a votarem em partidos de direita e o inverso. Foi assim com a Aliança Democrática, apoiada pelos Reformadores. Voltou tal a acontecer com a vitória relativa do PS de Mário Soares que deu origem ao Bloco Central. Repetiu-se a dose com Cavaco Silva que chegou a roubar eleitorado ao próprio PCP e da mesma maneira funcionou a ascensão ao poder de e, de certa maneira, repetem coisas boas e coisas más praticadas pelos cabralismo, pelo Guterres, com muita direita anticavaquista a dar-lhe direito a situar-se no extremo-centro.

O centrão – Com efeito, as secções portuguesas do Partido Popular Europeu e da Internacional Socialista que, hoje, coincidem com os antigos partidos do Bloco Central, porque se enfrentam em idênticos terrenos valorativos e sociológicos, estão pouco interessadas no desenvolvimento de uma dialéctica esquerda/ direita. Ambos os partidos sabem que todos os inquéritos feitos ao eleitorado português demonstram a existência de um vale sociológico de cerca de oitenta por cento de cidadãos, com duas margens de dez por cento, à direita e à esquerda, mais ou menos rígidas.

As margens – Só os representantes institucionais e parlamentares dos dois bloquinhos dos dez por cento é que estão interessados numa distinção substancial entre a direita e a esquerda, baseada em âncoras ideológicas, dado que ao PSD e o PS convém uma distinção meramente táctica ou processual, baseada em tópicos mais ou menos flutuantes.

A margem direita – O discurso estratégico de Paulo Portas é, aliás, eloquente, quando, em coincidência com o “Movimento 10 de Junho”, de Jaime Nogueira Pinto, e os antigos militantes do “Nação Una”, com Manuel Monteiro e Paulo Teixeira Pinto, acirra a ideia eurocéptica e recorda as lutas contra a despenalização do aborto e a regionalização, propondo um referendo contra a descriminalização das drogas, tentando lançar um conglomerado de ideias ditas de direita, em torno da soberania nacional e dos “bons costumes” vitorianos.

A margem esquerda – Do mesmo modo, os esquerdistas ontológicos, da esquerda comunista ou revolucionária, mas com a boa educação dos filhos da grande burguesia instalada, aproveitam todas as ocasiões para serem os campeões do anti-proibicionismo, do ecologismo, do laicismo e de certas memórias internacionalistas do “Maio 68”.

O hibridismo centrista – Pelo contrário, tanto ao PS como ao PSD interessa o hibridismo que lhes permita continuar a navegar no mar sociológico dos oitenta por cento de centristas, onde só as pessoas com mais de vinte e cinco anos nasceram antes do 25 de Abril de 1974 e onde só as pessoas com mais de quarenta e cinco anos podiam votar antes da data referida.

Guterres e Cavaco – O êxito do Engenheiro Guterres foi directamente proporcional ao do Professor Cavaco Silva. Os dois falaram para o país do novo eleitorado, porque ambos, apesar da idade, nunca tinham sido “fascistas” nem “antifascistas”. Ambos são europeístas q.b., patriotas “malgré tout” e invocam convicções católicas. O professor de economia tende a parecer mais tecnocrata, o engenheiro a mostrar-se mais sensível às misérias sociais. Mesmo que não sejam especialistas em história política portuguesa, eles têm a intuição de quem teve êxito político no Portugal Contemporâneo fontismo e pelo salazarismo, esses modelos de empirismo organizador na conquista e manutenção do poder, onde nunca interessaram doutrinarismos, mas o “attrappe tout” da personalização do poder, em nome de moderados “amanhãs que cantam”. É impressionante verificarmos como há uma identidade fundamental dos políticos profissionais portugueses nestes quase duzentos anos de sociedade demo-liberal, onde domina a mentalidade do “Portugal dos pequenitos” com a “mania das grandezas”. Um exemplar laboratório de sociologia política, onde há a permanente lei da “queda do anjo”, conforme a sátira de Camilo Castelo Branco, com fundas raízes nesse magnífico tratado da “Arte de Furtar”. Na verdade, os políticos profissionais deste país, esses que seguem o “cursus honorum” dos deputáveis, ministeriáveis, presidenciáveis, são hoje dominados por uma geração cinquentona, ou quase, marcada por uma traumática saída da adolescência nos anos sessenta, do crepúsculo do Estado Novo. Todos eles dependem muito das más leituras que fizeram entre os dezoito e os vinte anos de idade. É de alguns desses anjinhos decaídos que apetece falar. Se o Engenheiro Guterres precisa do antifascismo choramingas do Presidente Sampaio, cujas memórias de líder de RGA, dão utopia de esquerda passadista ao situacionismo, já o PSD tem um caminho bem mais difícil a percorrer, porque algumas incógnitas têm de ser resolvidas antes da clarificação estratégica.  O problema talvez não esteja na presença de Cavaco Silva nem na liderança de Durão Barroso, mas na equipa que o partido tem disponível para uma oposição global com credibilidade de alternância.

Nas eleições regionais de 15 de Outubro, vitória do PS nos Açores, sob a liderança de Carlos César que volta a vencer, agora com maioria absoluta. Alberto João Jardim e o PSD continuam a imperar na Madeira. As autonomias regionais, uma das mais belas realizações do nosso regime, apesar de não serem enfatizadas pelo programa do MFA, demonstram como a liberdade sempre foi mais um produto da acção dos homens do que o resultado das intenções de certos programas vanguardistas.

No último ano do milénio, quando se divulgam os resultados da descoberta do genoma humano, poucas são as notícias políticas lusitanas. Em Março, no Congresso do PP em Viseu, que reforça as posições de Paulo Portas, dá-se o regresso de alguns históricos, com Basílio Horta a refiliar-se no partido, enquanto no final do ano, no congresso do PCP, se retomam as teses clássicas da fidelidade cunhalista, sem cedência aos chamados renovadores. As notícias desportivas parecem mais mobilizadoras, com duas medalhas de bronze nos Jogos Olímpicos de Sydney, em Setembro (Nuno Delgado no judo e Fernanda Ribeiro no atletismo) e o Sporting Clube de Portugal a voltar a ser campeão nacional de futebol, ao fim de dezoito anos de espera (Maio), para além de a selecção portuguesa de futebol ter atingido as meias finais no Campeonato Europeu de Futebol.  Já o Presidente Sampaio visita oficialmente Timor-Leste (Fevereiro) e o Conselho de Ministros, devido à teimosia de José Sócrates aprova que, nas cimenteiras do Outão e de Souselas, se utilize o processo de co-incineração de resíduos tóxicos (Junho), o que leva a acalorados debates com ambientalistas e esquerdistas, nomeadamente em Coimbra, com os contestadores da atitude governamental a serem liderados por Boaventura Sousa Santos. E no ano em que George W. Bush é declarado eleito presidente dos Estados Unidos da América, assinale-se que, entre nós, o mero consumo de drogas deixa de ser crime e de, consequentemente, ser punido com prisão (6 de Julho). O nosso verbalismo fácil da inveja igualitária alimenta altas expectativas que, quando confrontadas com as realizações, acabam por gerar a frustração, pelo que, muito esquizofrenicamente, passamos de bestiais a bestas, dos melhores do mundo a arrastados acompanhantes da cauda do pelotão. E quando o desencanto se apodera de nós, logo surgem brilhantes raciocínios que levam a culpa a morrer solteira, com muitos discursos de justificação e outras tantas desculpas, onde o presidente da federação acusa o atleta, onde o atleta acusa o treinador e onde o treinador diz que a culpa é do sistema. Mais do que viragens à esquerda e à direita, o actual ciclo guterrista aproxima-se crescentemente do modelo decadentista do crepúsculo do tabu cavaquista, de tal maneira que o próprio Primeiro-Ministro trata de se defender em São Bento dos ataques do PSD, lendo anteriores discursos do próprio Cavaco Silva, ao mesmo tempo que este se vai transformando em mais um dos nossos falsos D. Sebastião, capaz de mudar os resultados anti-europeístas do referendo dinamarquês, de levar à baixa dos preços do petróleo ou de garantir a estabilidade do euro. Julgo que o único comentário que se adequa ao actual estado de coisas é bem simples: temos o governo que merecemos. Bojudo, verborreico, incompetente, sem ideias. Um governo de meia-esquerda que bem podia ser de meia-direita e que, para se aguentar, faz um leilão de apoios orçamentais, prometendo benêsses a quem quiser negociar dois ou tês votos. Pede aos verdes, para estes pedirem autorização a Carvalhas; pede aos deputados da Madeira, para estes tramarem Barroso; tenta fraccionar os jotas com o referendo da droga; não fecha a porta a Portas e até continua a namorar com os trotskistas. Todos nunca são demais para que poucos continuem o ritmo do comer à mesa do orçamento, dieta que, desde o raposa Rodrigo da Fonseca, transforma exaltados revolucionários em venerandas figuras de muito estadão, sejam ministros de Estado ou para a reforma do Estado. A barganha vai assim embrulhando a crise, com esperança de vencer os sinais de ruptura. Porque o governo há-de continuar de vitória em vitória, até a uma derrota final. A governação do estado a que chegámos é mero produto do reino da quantidade massificadora, onde os instintos superam a inteligência e onde esta continua a não querer casar-se com a honra. O actual estilo do Engenheiro Guterres está em plena sintonia com a ditadura de um proletariado  do mau-gosto, como transparece do Big Brother, e dos muitos concursos televisivos da sociedade de casino, onde a roleta das perguntas de algibeira até dá a ilusão que é para isso que serve o sistema de ensino. Quando há expectativas que não assentam em reais capacidades, o desencanto é inevitável e a revolta ameaça. As grandes potencialidades, apregoadas na feira das vaidades, são também as grandes vulnerabilidades do quotidiano vivido. Os maiores inimigos da democracia são os que gastam, pelo mau uso, a palavra democracia. Os tais reincidentes da falta de autenticidade que, pregando como Frei Tomás, acabam por prostituir a mesma democracia pelo abuso discursivo da palavra que aprenderam na respectiva juventude totalitária. O crescendo do indiferentismo e da apatia, bem como o assustador desenvolvimento da corrupção e do clientelismo, se não forem tomadas corajosas   no sentido da moralização da política, fazem que, no dobrar da esquina, apareça um qualquer Vale e Azevedo, o qual, vendendo a ilusão de podermos voltar a jogar à Benfica, nos levará a ainda mais derrotas, pelo que, depois de perdermos o ouro e a prata, nem sequer com migalhas de bronze seremos ornados...

Decadentismo – No último trimestre do século XX, o chamado sector intelectual do Partido da Pátria Portuguesa vive uma curioso decadentismo fin de siècle, onde os principais teóricos do situacionismo, isto é, os canalizadores da opinião pública instalada nos grandes meios de comunicação oficiosos, começam já a falar em crise de regime. Tentando arriscar uma explicação sarcástica para o presente deserto de ideias, direi que, depois dessa mistura de cabralismo e de fontismo chamada Cavaco Silva ter tirado à direita a vertigem do risco sá-carneirista, eis que idêntico utilitarismo acabou por marcar a esquerda soft que, por enquanto, nos governa. O guterrismo dos Estados Gerais, tentando dar aos restos de marxismo e jacobinismo da esquerda pós-cavaquista o sentido pietista do pintasilguismo e do melicianismo, acabou por gerar uma sincrética mistura de contrários, onde o fantasma de António Maria, com betão em vez de macadame, apenas foi substituído pelas jogatanas politiqueiras de José Luciano Corte Real, com algumas inaugurações de fontanários. Denunciemos algumas dessas ridículas misturas. Na primeira, incluo a tentativa de conúbio de certos aventais com certo sacristanismo. Na segunda, refiro a conseguida junção do estadualismo de ex-salazaristas com o colectivismo de ex-militantes do marxismo-leninismo, maoísta ou cunhalista. Na terceira, a concretização de uma terceira via à portuguesa, com a nova esquerda moderna plataformista a ser apoiada pela velha direita dos interesses, no tal pior governo de Portugal desde a Senhora D. Maria II, para citar um dito do Professor Sousa Franco. Essas misturas, que nem sequer a síntese conseguiram, ficaram-se pelo sincrético gaguejante de uma indecisão, onde, face ao vazio de racionalidade ética, não se conseguiu a harmonia conciliadora da arte política democrática. Não direi, como o rei D. Carlos, que isto é um país de bananas governado por sacanas. Prefiro reconhecer que o actual situacionismo segue a máxima do empirismo organizador de Salazar, segundo o qual o essencial do poder é procurar manter-se. O chamado coração à esquerda  com a razão à direita corre o risco de ficar-se pela mera vontade de poder do aparelhismo partidocrático, com os voos de Narciso Miranda e as poses ministerialíssimas de Jorge Coelho a terem como  heterónimas marionetas um António Guterres ou um Jorge Sampaio, onde, em vez dos job for the boys, há boys for the jobs..

Nem maçons, nem católicos – O decadentismo é crescente. Em primeiro lugar, a tensão entre maçons e católicos, em vez de se assumir como uma mais valia no sentido da conciliação do humanismo laico com o humanismo cristão, acaba por ceder ao pequeno fundamentalismo cartesiano-marxista de certa esquerda coimbrã com saudades do pombalismo. Em segundo lugar, o socialismo guterrista, copiando o pior da democrazia cristiana ultramontana e o menos bom do socialismo de nuestros hermanos, continua a dar tacho e a ter a consequente complacência colaboracionista de certas figuras do Ancien Régime, bem acobertadas pelo  lobby soarista. Uma Santa Aliança Laica com uma retroactiva e parcelar ideologia republicanista, dado que se esquece de Basílio Teles, Leonardo Coimbra, António Granjo ou Teixeira de Pascoaes. Com franqueza, entrarmos no século XXI retomando a frustração do 5 de Outubro de 1910, com uma Nova República Velha tão do agrado de Nuno Severiano Teixeira, até me obriga a proclamar  que sinto nostalgia pela legitimidade liberal do azul e branco, saindo em defesa da memória de D. Pedro IV, D. Maria II, Almeida Garrett, Passos Manuel, Alexandre Herculano, D. Pedro V e de tantos outros pais-fundadores que geraram quase oitenta anos de liberdade e quase setenta de armístico contitucional. Aliás, o melhor da I República, que os também republicanos do 28 de Maio liquidaram, apenas foi mera continuidade dessa tradição do trono cercado por instituições republicanas, aquele estado de espírito que permitiu a abolição da pena de morte ou a promulgação do Código de Seabra e que lançou as sementes de democracia da sociedade civil, essa plurissecular infra-estrutura em assenta o actual regime de pluralismo e Estado de Direito, da Constituição de 1976. Quanto à terceira mistura referida, apenas saliento que os actuais membros do governo que, ainda há pouco, eram ajudantes de Álvaro Cunhal sabem mais de transicionologia que os colaboradores de Milosevic. Apesar de estarem para a direita dos interesses como o socialismo de características chinesas está para a globalização do capitalismo internacional, sempre são mais eficazes que os Miguel Portas e os Garcia Pereira, esses amuletos mordedores que a grande burguesia tanto apaparica. Por causa dos plataformistas terem abandonado o PCP é que este permanece algemado na sua ilusão de ordem religioso-militar, com inquisitoriais ortodoxos que até postumamente esconjuram aqueles companheiros pós-tarrafalistas que procuraram integrar o partido na vida comum da cidade.