Respublica
Repertório Português de Ciência Política
Edição electrónica 2004
Força
Da expressão latina tardia fortia, derivada de fortis. Aliás, fortia,
no latim clássico, era uma expressão poéticarelativa à força moral,
à quilo a que hoje damos o nome de fortaleza, sendo assumida, depois pelos
pensadores cristãos nesse sentido. Só depois passou a significar força física.
Curiosamente, aquilo que hoje dizemos como força, dizia-se, em latim, virtus,
donde veio a nossa expressão virtual, como a causa que produz um
determinado efeito. Força, neste sentido, é a causa, a acção de um ente
material capaz de alterar o estado de repouso ou de movimento de outro ente
material. Tudo aquilo que é capaz de produzir ou alterar um movimento.
Paradoxal evolução semântica, onde anterior virtus latina, de vis,
isto é, a força física, deu em força moral, e onde a fortia, a força
moral, com o actual sentido de virtude, deu
em mera força física. Talvez porque violentia, vem de homem, do radical
de vis, viris. Porque virtus, era a qualidade própria do
homem, do viril, isto é a coragem, que evoluiu para a habilidade daquele que é
virtuoso.
Força,
fortaleza, violência e poder
Utilizando
a classificação de Hannah Arendt, a força (force) distingue-se da
fortaleza (strenght), firmeza ou força de alma, aquela virtude que São
Tomás dizia ser mais de resistência que de ataque e que se expressa, por
exemplo, na coragem cívica da não-violência. Esta significa algo no singular,
a qualidade de um homem, enquanto a força é a energia dispendida pelos
movimentos físicos e sociais, podendo ser tanto a força da natureza como a força
das coisas. Ambas se distinguem da violência (violence), aquilo que
destrói o poder, mas que é incapaz de criá-lo. Porque o poder (power)
nunca é propriedade de um indivíduo, pertence ao grupo, é sempre no plural, e
apenas existe enquanto o grupo permanece unido.
Força,
influência e poder
Se
politólogos como Lasswell colocam a força como algo que antecede a influência
e o poder, já outros, como Prélot, falam em forças como
poderes, anteriores ao Poder, com maiúscula, entendido como o poder político.
Rivarol assinalava que as forças apenas passam a poderes quando actuam através
de órgãos (a água é uma força que precisão do órgão moinho),
entendendo os poderes como forças orgânicas ou organizadas, como a união
entre um órgão e uma força. Nesta linha, a força não passa de um meio
actual para se obter um bem futuro (Hobbes), de um meio que permite obter
um efeito desejado (Russell), de uma determinada energia que apenas
passa a poder quando se manifesta através de um determinado instrumento.
Força, coerção e coacção
A
coacção é a força legitimada, onde a intervenção da força ocorre
para os fins do direito e nos limites estabelecidos pelo mesmo direito, onde há
uma coacção virtual, a coercibilidade, e uma coacção actual, a coercitividade.
Com efeito, coacção vem do lat. coactio, acção obrigar alguém contra
a vontade deste. É sempre uma forma de violência moral, visando a prática de
um determinado acto jurídico, pela ameaça de um mal maior do que aquele que
resultaria da prática do acto. Difere da coerção, a forma jurídica da
violência física sobre o infractor, onde o coactor já actua sobre o corpo do
coagido. Com efeito, coerção vem do lat. coertio, co + arceo,
isto é, confinar numa fortaleza, dita arx, arcis. O vocábulo expressa
uma aproximação à ideia de coacção, mas sem a conotação jurídica de violência
meramente moral ou psicológica. A coerção tem mais a ver com a violência física,
com a acção violenta dos órgãos estaduais quando estes aplicam a força
irresistível para o cumprimento de uma determinada ordem, depois de falar a
ameaça da coacção, sempre potencial. A conduta de alguém que está sujeito
à coacção não é espontânea, mas o coacto pode escolher entre dois
objectos, tem alternativa de escolha, pode não cumprir a regra que estabelece
sanção para quem não escolher aquele objecto considerado obrigatório pelo
legislador. Com efeito, o direito é sempre fisicamente violável, apesar
daquele que exerce o acto violador estar sujeito a um acto de resistência física
por parte da ordem estabelecida. Neste sentido, há apenas coercibilidade, há
apenas uma coacção potencial, latente ou virtual, diferente da coercitividade,
da coacção actual ou efectiva, resultante da aplicação concreta da sanção
ao violador da regra.
Força e violência
Um
dos habituais tópicos da filosofia política e do direito tende a distanciar a
força da violência, qualificando aquela como a intervenção em defesa da
ordem estabelecida através de formas por ela admitidas e reservando a violência
para a intervenção dos que querem destruir ou violar o estabelecido, onde a
força tende a ser legítima e a violência ilícita. Esta evolução semântica,
contrária, aliás, à base etimológica da distinção, levou até a que
Georges Sorel tentasse inverter os termos quando, elogiando a violência,
reservou a expressão força para o domínio da minoria sobre a minoria, base do
situacionismo, e entendeu a violência como instrumento libertador da maioria,
desejosa de abolir a exploração da minoria sobre o todo.