Respublica     Repertório Português de Ciência Política         Edição electrónica 2004

Philipp Heck (1858-1943)

 

Heck  e a Escola de Tubinga geram a chamada jurisprudência dos interesses, concebendo o direito como um processo de tutela de interesses: as normas como resultantes dos interesses de ordem material, nacional, religiosa ou ética que, em cada comunidade jurídica se contrapõem uns aos outros e lutam pelo seu reconhecimento, enquanto meras soluções valoradoras de conflitos de interesses.

Interesses que são considerados como causais para a norma, dado determinarem, no legislador, representações, ideias de dever-ser que se transformam em comandos, pelo que se impõe a investigação histórica dos interesses. Proclama-se assim que o direito é um processo de tutela de interesses e que as normas são as resultantes dos interesses de ordem material, nacional, religiosa, ou ética, que, em cada comunidade jurídica se contrapõem uns aos outros e lutam pelo seu reconhecimento. As leis são perspectivadas como soluções valoradoras de conflitos de interesses, pelo que, em lugar da vontade pessoal do legislador, há que determinar, na interpretação das leis, os interesses reais que as causaram, dos quais o legislador é um mero transformador. Neste sentido, o respeito pela lei deve ser o de uma obediência inteligente face à lei. Para a jurisprudência dos interesses, o juiz, no julgamento dum caso concreto, também não tem de funcionar como mero autómato de subsunções lógicas das realidades face aos conceitos formais extraídos da legislação. Pelo contrário, deve ponderar toda a complexa situação de facto, procurando detectar os interesses em conflito e, só depois, adoptar o juízo de valor sobre esses interesses contidos na lei. Nesta senda, o já referido Roscoe Pound observa que o conceito de interesses inclui os interesses morais, enquanto factos psicológico-sociais. Para o autor em causa, que, durante vinte anos, foi o director do departamento jurídico da universidade de Harvard, compete, ao direito, o controlo social e, ao pensamento jurídico, a engenharia social (social engineering), traduzindo-se os respectivos objectivos no balancing of competing interests, pelo que o jurista, principalmente o juiz, tem de tomar em conta os interesses juridicamente protegidos da sociedade e os valores desta sociedade. Ficou célebre a respectiva distinção entre interesses privados, interesses sociais e interesses públicos, onde estes últimos são os interesses do Estado, enquanto pessoa colectiva que pretende subsistir e que também é a principal protectora dos interesses sociais. Os interesses sociais agrupam-se em seis classes: os interesses na manutenção da ordem social (segurança, saúde, estabilidade das aquisições e das transacções); a protecção das instituições familiares, económicas e políticas; a protecção da moralidade e a manutenção dos bons costumes; a conservação dos recursos sociais e patrimoniais; a melhoria da construção social pelo progresso do desenvolvimento das faculdades humanas; a protecção da existência humana individual segundo as normas da sociedade. Já os interesses privados são de três ordens: os interesses da personalidade (protecção da integridade física, da liberdade da vontade, da reputação, da vida privada, da liberdade de pensamento e de opinião); os interesses familiares (casamento, pensão alimentar; relações entre pais e filhos); e os interesses da fortuna (protecção da propriedade, liberdade de testar, liberdade de comerciar e de contratar, direito de associação e respeito pela palavra dada). Como salienta Eric Weil, a lei e a moral... não existem num lugar supra-celeste, ou se elas aí existissem, não era de lá que elas agiriam. É o homem que actua e o homem actua por interesses, entendidos como o  fim que leva o homem a actuar... o que faz mover o homem. Para este, autor, aliás, a sociedade é sempre cálculo, ao contrário do Estado que é o órgão no qual uma comunidade pensa.

© José Adelino Maltez. Todos os direitos reservados. Cópias autorizadas, desde que indicada a proveniência: Página profissional de José Adelino Maltez ( http://maltez.info). Última revisão em: 26-12-2003