Só sei que nada sei

 

 

 

 

Eu que tive a ilusão de romper

certas algemas da vida,

pois lera, nos livros sagrados,

os sinais da salvação,

não consigo, agora, dobrar

os ferros da solidão.

Filho de Sócrates e Descartes,

analítico, ousei singrar

nessa ilusão bem humana

de chegar a Deus só a pensar.

E, rendilhando paradigmas,

no pensar do pensamento,

por tanto ousar duvidar,

já não sei rezar sem racionalizar.

Homem crescido,

e como tal reconhecido,

pelo papel selado

das certidões oficiais,

nem sequer posso voltar

às nostálgicas certezas

do colo de minha mãe.

Na escola onde, outrora, fui aluno,

eis-me, agora,  professor,

neste meu ter de ensinar,

entre as coisas que aprendi,

tantas coisas que não sei.

Nosce te ipsum!...

Cogito, ergo sum!...

Erudito e letrado, feito doutor,

na própria cátedra já assentado,

confesso ter lido, e relido,

montanhas de papel inanimado,

bibliotecas inteiras

de pensamento pensado.

E, de tanto recolectar

fragmentos, fichas e rodapés,

que, muito hierarquicamente,

fui classificando,

como engenheiro de conceitos,

nas teias sistémicas

de uma qualquer teoria,

foi do próprio espaço vivido

que acabei por me esquecer.

Essa máxima universal

de todos sermos iguais,

de todos podermos ter,

pela simplicidade dos sinais,

um conhecimento modesto

sobre as coisas mais supremas.

Por muito procurar,

fora de mim,

o que, por dentro,

guardava,

fiquei, assim,

encruzilhado.

Mas, de tantos planos inacabados,

aprendi, pelo menos, a duvidar

das próprias regras do método,

daquele pretenso rigor,

muito axiomaticamente dedutivo,

que, por lei, dizem que sei.