As Raízes e o Destino da Cultura Portuguesa

Alguns excertos:

...qualquer intelectual do tempo português que estamos sofrendo não pode desligar-se da aventura existencial das actuais circunstâncias de Portugal .

Com efeito, pertenço a uma geração que viveu apaixonadamente o crepúsculo do primeiro e último dos impérios ultramarinos da Europa. Menino e moço despertei para a razão quando em Portugal eram hasteadas as bandeiras da Cruz de Cristo das comemorações henriquinas para, passados alguns meses, sofrer intensamente os acontecimentos sangrentos de Angola e a brutal ocupação de Goa.

Na minha memória estão vivas as cenas de horror e de terror do Uíge, os dramas da resistência de Mucaba e as operações de Nambuangongo. Sou um desses meninos da geração de 1961, desses que aprenderam a sofrer a pátria com a dor de soldados que partiam para uma distante guerra guerrilheira.

E foi já com pouco mais de vinte anos, no último ano da minha formação universitária básica, que sofri a chamada descolonização, quando arreámos apressadamente a nossa bandeira das plagas africanas. Quando, de forma egoisticamente irresponsável, abandonámos muitos povos a quem tínhamos prometido a construção conjunta de uma nova comunidade, gerando um vazio estratégico, depressa ocupado por anteriores poderes erráticos, subordinados a grandes potências ou a interesses ocultos da economia internacional, todos sem amor àquelas terras e àquelas gentes.

Foram os tempos do fim de um Portugal que se sonhava uno e indivisível e almejava ir do Minho a Timor; de um Portugal que já não era apenas um Portugal Velho, mas antes a possibilidade de um Portugal Novo, um Portugal-mais-que-Portugal que queria passar de utopia, isto é de ideia sem lugar, a ideal histórico concreto, arraigado na existência, assumindo uma espécie de primeira página de uma história do futuro que se pretendia escrever contra os ventos da história, isto é, contra os interesses das então superpotências e contra as ilusões doutrinárias do Terceiro Mundo ainda embalado pelo messianismo de Bandung e do nasserismo.

Pena foi que nesse combate tenha havido mais Quixotes do que Sanchos Panças e muitos ditos navegantes da rota da Índia com discursos de justificação retirados ao Velho do Restelo.

Falar de Portugal com o peso dramático do passado recente, através das palavras necessariamente contidas de um discurso académico, significa não podermos ceder aos vibrantes epicismos ou às eventualmente dolorosas saudades dos testemunhos individuais.

Portugal, apesar de tudo, ainda permanece porque se soube rejuvenescer e talvez ainda tenha saudades de futuro. Portugal-que-está ainda tem novos Impérios a haver para o Portugal-poder-ser. Com efeito, aquilo que somos e sonhamos ser, o livro da nossa História do Futuro, ainda não está arquivado em Tombos, que apesar de poderem ser futuristas, não deixam de ser arquivos mortos.

Mesmo nestes tempos cinzentos de transição há muitos que, por entre a bruma, continuam a procurar o infinito, muitos que persistem em ter os olhos postos no mais além, muitos que estão dispostos a continuar a esperança. Como diz Miguel Torga, Em que rosa dos ventos há um caminho/ Português?/Um brumoso caminho/ De inédita aventura.

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Copyright © 1998 por José Adelino Maltez. Todos os direitos reservados.
Página revista em: 21-07-2001.