CENTRISMOS
Artigo publicado no semanário Liberal,
de 11 de Novembro de 1989
A recente inversão estratégica revelada pelo Professor Freitas do Amaral, nomeadamente na entrevista concedida ao Expresso, constitui um dos principais factos políticos deste Outono. Constitui não só um dos principais motes para o próximo congresso do CDS, como também uma das primeiras sementes das próximas eleições legislativas.
O regresso às teses do centrismo fundacional e à estratégia da ultrapassagem do PSD pela esquerda se, numa primeira leitura, podem significar uma reacção emocional do Presidente do CDS face à ingratidão do líder do PSD, podem , por outro lado, traduzir uma espécie de reflexo da solidão do Professor de Direito Administrativo.
Com efeito, o complexo de cerco em que vive o Largo Caldas leva a que os respectivos líderes tenham que refugiar-se no mais íntimo das respectivas convicções. Ora, Freitas do Amaral, conforme o duríssimo perfil que dele traçou Marcello Caetano talvez seja o tipo do intelectual puro que desejaria viver com os princípios, e esta frieza intelectual, onde não se descortina uma expressão afectiva, quando olha para a vida é capaz de sacrificar os princípios pelas situações.
Nestes termos esta angústia de uma solidão sem poder conduziu Freitas do Amaral a assumir o cerne dos seus princípios políticos, retomando uma caminhada intelectual iniciada nos finais dos anos sessenta, quando, depois do Maio de 1968, certo conservadorismo francês, cedendo à moda do crepúsculo das ideologias, redescobria no juste milieu a chave para as angústias existenciais de uma determinada geração.
Com efeito, desde que começou a prevalecer a visão geométrica da política como um hemiciclo, cada situação tem sempre a sua direita, o seu centro e a sua esquerda. Posições relativas que nascem do movimento da vida e que raramente correspondem às intenções dos actores do processo.
Isto é, na democracia pluralista de modelo ocidental, as posições nos hemiciclos da representação têm pouco a ver com os projectos e programas de cada grupo, constituindo um a posteriori, uma consequência da dinâmica política.
Acontece também que a própria história leva a constantes ajustamentos destas posições pelo que antigas esquerdas são muitas vezes atiradas para a direita e algumas direitas passam na situação seguinte para a própria esquerda.
Transformar um simples lugar geométrico, que depende de cada um e de todos os outros, num fundamento de qualquer crença, se pode revelar uma inequívoca coerência, conduz inevitavelmente à confusão conceitual, pela operação de transferência das linguagens.
Ser do centro no final dos anos sessenta dependia do lugar em que se estava. Ser do centro na França de De Gaulle ou na Grã de Bretanha de Mac Millan não era o mesmo que ser do centro no Portugal de Marcello Caetano. E ser do centro podia não ser o mesmo que dizer-se do centro.
Do centro dizia-se, na I República, tanto a direita republicana de Egas Moniz, herdeira dos evolucionistas, que em 1917 fundou um Partido Centrista Republicana, como os adeptos do catolicismo social, à maneira de António de Oliveira Salazar, que também em 1917 fundaram o Centro Católico Português.
Os primeiros queriam situar-se entre o partido-sistema de então, o PRP de Afonso Costa, e todos os que se opunham à República. Os segundos também eram do centro porque estavam contra o politique d'abord de certos monárquicos, que, então, queriam derrubar o sistema, dado preferirem aceitar as regras do jogo, fazendo oposição dentro do sistema.
O centro durante o marcelismo já era outra coisa. Era o programa dos novos líderes do situacionismo, era o programa do próprio poder visando aliciar aqueles que com o regime não colaboravam, sendo particularmente assumido por José Guilherme de Melo e Castro e passando a emblema da ANP no Congresso de Tomar, onde se destacou Silva Pinto.
Os acontecimentos do 25 de Abril de 1974, se derrubaram um regime, vieram também pôr termo a um segundo ensaio de reformismo que Marcello Caetano procurava encetar. Depois de falhada a primeira ala liberal, com Francisco Sá Carneiro, Pinto Balsemão e Magalhães Mota, uma série de figuras que gravitavam em torno de Freitas do Amaral estava prestes a apostar numa segunda experiência de efectiva renovação na continuidade, que talvez viessem a gerar uma nova SEDES e uma inevitável remodelação governamental que desse novo fôlego a Marcello.
O centrismo era então uma forma de apoiar do sistema em oposição aos chamados ultras que ameaçavam destacar-se do mesmo.
Quando o jogo deste circunstancialismo foi lançado no rodopio dos primeiros tempos de Abril, partiu do princípio que em Portugal poderia iniciar-se uma caminhada democrática com organizações de esquerda e de direita, onde o novo hemiciclo reproduzisse todas as anteriores famílias políticas.
Era, pois, natural que Sá Carneiro se declarasse, em coerência com a primeira ala reformista do marcelismo, como da esquerda democrática. Era inevitável que Freitas do Amaral e os companheiros da potencial segunda ala reformista do anterior situacionismo optassem por situar-se entre o centro-direita e o centro-esquerda. Pensavam antes que, depois de Abril, podia pensar-se como antes de Abril e nem sequer tinham perfeita noção do que era uma efectiva revolução.
A própria simbologia escolhida pelos dois grupos reflectia a funda opção de cada um. O PPD, entusiasmado pela experiência do PSD de Willy Brandt e Helmut Schmidt, optou pelas setas que, com a resistência anti-nazi, se riscavam as suásticas. O CDS considerou-se a bola sob a pressão de uma seta vinda da esquerda e outra vinda da direita, mas rigorosamente limitada por um vigoroso quadrado.
Além disso, enquanto o PSD escolhia as cores fortes do vermelho, branco e laranja, o CDS optavam por um racional preto sobre o branco.
O PPD procurava ir até ao socialismo não marxista, o CDS optava por uma democracia social não socialista. O primeiro não tinha pejo em seguir pela esquerda até além do centro esquerda, o segundo, da direita, só queria o centro-direita. Os dois eram o produto de um imaginário de uma certa geração filha do pós-guerra.
Só que, na prática, a teoria foi outra. A direita foi proibida, o centro teve que ser a extrema-direita do novo regime, sempre em risco de ser ilegalizado. Enquanto isto, a esquerda democrática passou a ser a geométrica direita do processo revolucionário que então teve curso.
As boas intenções do centro, sem o escudo de um necessário partido de direita, tiveram que transformar-se na voz tribunícia de certos grupos sociais. E o centro teve a ilusão de crescer quando nas eleições legislativas de 1976 obteve 16 %.
Nunca percebeu que esse boom eleitoral foi uma espécie de prémio à resistência de 1975 e a natural consequência de uma implantação feita, sobretudo, à custa dos desalojados de Africa. Deveu-se tanto a Freitas do Amaral como àquilo que então representava Galvão de Melo e ao esquecido facto de, no PPD, Francisco Sá Carneiro ter cedido o lugar Emídio Guerreiro.
Mais tarde, aconteceu um segundo regresso do centro quando perante o estilo combativo de Sá Carneiro, Freitas do Amaral optou por uma ultrapassagem do PSD pela esquerda e por uma coligação com o PS de Mário Soares, ainda então programaticamente marxista.
Copyright © 1998 por José Adelino Maltez. Todos os direitos reservados.
Página revista em: 02-01-1999.