AOS CATÓLICOS E MAÇONS DE BOA VONTADE!

 

Um país com oito séculos de história, como o nosso, sofre, inevitavelmente, da doença do excesso de identidade. Com efeito, todos e cada um dos portugueses vivem, dentro de si, conflituosas interpretações históricas, tanto quanto ao passado remoto, como, sobretudo, quanto àquilo que alguns qualificam como história do presente, especialmente quando ela se assume como uma espécie de continuação da guerra civil por outros meios.

 

Paradoxalmente, nestes começos da primavera do ano 2001, a política portuguesa enredou-se em mistificações historiográficas típicas da geração que despertou para a política com o marcelismo, quando Portugal estava enredado na guerra colonial e o mundo, na guerra fria. Muitos parecem esquecer que, depois disso, aconteceu a democracia do 25 de Novembro, com Eanes, Soares, Sá Carneiro, Soares de novo, Cavaco Silva, Soares mais uma vez, e Guterres com Sampaio.

 

Encararmos os desafios de hoje, de acordo com os complexos da esquerda e da direita dos primeiros meses dos anos setenta, desprezando aquilo que fomos experimentando, talvez não seja boa alternativa. Assim, reduzir a questão da liberdade religiosa a uma disputa entre a ala maçónica do PS, pressionada exteriormente por Fernando Rosas, e os restos de certo Centro Católico Português, com o nihil obstat episcopal, é regressarmos a atavismos que pareciam ultrapassados.

 

Não sou católico, nem ateu. Não me sinto agnóstico nem céptico. Não estou filiado em qualquer maçonaria, seita, igreja ou religião secular. Já fui católico, não fiquei anticatólico e até não consigo prometer que dessa fé não me voltarei a imbuir. Porque, por mais força que pense ter, não tenho forças para vencer forças maiores, como são as que vêm do transcendente para o interior.

 

Estou nessa espera-esphera, que é esperança, espicaçado pelo esprit de finesse pascaliano, que não aceita o gnosticismo do esprit geométrique, a tal soberania do método empírico-analítico que nos deu o jacobinismo, o postivismo, o cientificismo, o marxismo e estes herdeiros actuais ditos laicistas.

 

Sou assim duplamente suspeito para facciosos católicos e anticatólicos. Tive uma infância de educação franciscana e uma adolescência de formação jesuítica, tudo metodicamente implantado sobre uma educação rural dos meus avós campónios e analfabetos, mas sabedores dos sinais das águas, das aves, das nuvens, das árvores e dos torrões dos campos. Isto é, em cima de uma religiosidade popular, com memórias de lobisomens e relatos de planetas, recebi uma polida e civilizada teologia urbana e vaticana, fiel aos textos da Congregação romana, herdeira da Santa Inquisição.

 

Mas caí na tentação já referida por Lutero: um bom jurista, um mau cristão. Pior ainda: virei politólogo, ou repúblico. Deste modo, feito engenheiro de conceitos com o fogo do logicismo kantiano, fiquei uma mistura do humanismo cristão e do humanismo laico, com a mania existencialista de procurar o transcendente situado, onde a autenticidade tende a substituir a ideia de salvação.

 

E foi com esta pós-deformação que mergulhei nas confissões de um homem religioso de José Régio. Ainda tentei resistir com a Peregrinação Interior de Alçada Baptista, mas, misturando Albert Camus com Saint-Exupéry, acabei por ficar nesse espaço do tradicional herético lusitano que vive entre a profecia do Quinto Império e o panteísmo dos estóicos, de Espinosa, de Teixeira de Pascoaes, de Fernando Pessoa e de Agostinho da Silva.

 

Refinei-me, depois, com o reflexionismo dos herdeiros de Montaigne, mas, a partir dessa procura do complexo pela compreensão das coisas simples, nunca mais consegui libertar-me de certas cordas românticas que me aproximam de algum inquieto desencanto: da maçonaria que já não há, dos judaizantes que também se foram, dos protestantes que podíamos ter sido e daquela procura da raiz do além que me ensinou o bom padre Teilhard de Chardin ou o dissidente Soljenitsine.

 

É a partir desta base secular, mas quase confessional, que passei a desconfiar de todos os que têm provocado o avivar dessa brasa não apagada da questão político-religiosa em Portugal. Esses pirómamos laicistas que, depois da questão do aborto e da autonomia da Universidade Católica, são agora obrigados a enfrentar a lei da liberdade religiosa.

 

Os que se entusiasmam com facciosismo de certos articulistas binários, entre os modelos de Vital Moreira e de João César das Neves, talvez hoje sejam uma minoria na sociedade portuguesa. Eu, que tenho a ilusão de ser herdeiro do conservadorismo liberal, azul e branco, à maneira de Alexandre Herculano, de nada me incomoda que a Igreja Católica mantenha e reforce alguns privilégios contratualmente reconhecidos pelo Estado, porque assim o exige, por um lado, a tradição e, por outro, os bons serviços que a instituição continua a prestar à comunidade.

 

Só a cretinice geométrica dos que foram formatados por categorias abstractas pode reduzir os católicos portugueses a uma religião entre muitas outras. Por isso, urge uma nova Concordata que reforce, às claras, o peso do humanismo cristão, evitando que ele caia na tentação da clandestinidade congreganista ou das pressões de sacristia.

 

De idêntica forma, bem gostaria que a tradicional ordem maçónica, reunida em torno do Grande Oriente Lusitano, perdesse os receios a que, injustamente, foi condenada pela lei de José Santos Cabral de 1935, e também saísse de certa clandestinidade, porque o país bem precisa do reforço do humanismo laico, em nome da mesma tradição e dos mesmos bons serviços que esta instituição sempre prestou à comunidade.

 

Os católicos e maçons, que são homens de boa vontade, e que, durante um quarto de século, estiveram tacitamente concertados para a construção deste nosso regime, não podem ser agora instrumentalizados pelos que só recentemente abandonaram as hostes de Estaline, de Mao e de Pol Pot. Os católicos e maçons, que estiveram juntos no CDS, no PSD, no PRD e no PS, não têm que receber lições, de Estado de Direito, liberdade vivida e pluralismo praticado, dos que, traumatizados, sublimam o anterior totalitarismo em anticatolicismo.

 

 

 

Bem Comum da Semana

 

Não ao terrorismo e ao assassinato político!

Ao contrário do que aconteceu com a I República, que teve as mãos sujas com o sangue dos regicidas e que, por isso, também assassinou um presidente, em 1918, ou um chefe de governo, em 1921, e, diferentemente do que sucedeu com o Estado Novo, que ocultou o processo da Noite Sangrenta e permitiu o assassínio de Humberto Delgado, o actual regime tem legitimidade moral para perdoar a terroristas como os das FP 25 de Abril ou os da rede bombista de 1975-1976. Primeiro, porque as polícias e as magistraturas imperfeitas que temos acabaram mesmo com as redes terroristas em tempo oportuno. Segundo, porque perdoar não é esquecer. Terceiro, porque os juízes, com a amnistia, não podiam julgar o crime de associação terrorista.

 

 

Mal comum da semana

 

Não ao maquiavelismo da violência!

Transformar os carrascos terroristas em heróis ingénuos, por causa dos fins utópicos que prosseguiam, é dizer que os fins justificam os meios e admitir a espiral da violência. Para o Estado de Direito, não há terrorismos de direita nem terrorismos de esquerda, há terrorismo. Para o Estado Democrático não há ditaduras de direita nem ditaduras de esquerda, há ditadura. Ai do Partido Socialista se cair na tentação do discurso dissolvente de certos totalitários que integram o Bloco de Esquerda e que ainda não se arrependeram de Trotsky, de Estaline, de Mao e de Pol Pot. Julgo que a nossa direita e a nossa esquerda, nestes últimos 25 anos, nunca se dividiram quanto ao repúdio do autoritarismo, do totalitarismo e da violência política.