BERLUSCONI, BASCOS E SALAZARENTOS
As recentes eleições italianas e bascas vieram quebrar a placidez deste letargo europeu, em que, à esquerda e à direita, nos vamos situacionizando. Contudo, os comentadores e comunicadores portugueses que relataram os processos, eivados de preconceitos de superioridade, de esquerda e de direita, conseguiram a proeza de continuarem totalmente irrealistas.
Começando por alguns preconceitos de certo estatismo direitista, quero lavrar o meu formal protesto contra todos os que continuam a não querer compreender as origens e os desenvolvimentos do nacionalismo basco. Como português, herdeiro de 1640, geneticamente adverso ao centralismo espanholista de Carlos V, quero apenas recordar que o centenário partido nacionalista basco, fundador da internacional democrata-cristã, nada tem a ver com o terrorismo etarra de extrema-esquerda, apenas instituído nos anos sessenta do século XX. O Bizcai-Buru-Batzar até foi fundado pelo tradicionalista Sabino Arana em 1893, depois do jacobinismo ter suprimido os centenários "fueros" de Navarra, em 1841, e os de Alava, Guipozcoa e Biscaia, em 1876.
Já quanto aos complexos de esquerda, eu que não simpatizo com Berlusconis, Finis e Bossis, também não posso subscrever a tese de alguns dos nossos nominalistas democráticos, para quem a democracia só é democrática quando nela se vota à esquerda.
Primeiro, porque ganhou um milionário, mais parecido com Sinatra do que com John Kennedy, e que não tem por hábito subsidiar a esquerda. Segundo, porque vão subir ao poder os neofascistas que agora são pós-fascistas. Terceiro, porque o líder da Padânia tem muitas semelhanças com Alberto João Jardim.
Berlusconi andou na futebolítica, mas não se chama Fernando Gomes, Valentim Loureiro nem Santana Lopes. Meteu-se em jornais e televisões, mas não assina como Balsemão, Belmiro de Azevedo, Murteira Nabo ou Lusomundo. É um homem rico, mas não faz parte dos 58 milionários que decidiram publicamente apoiar Tony Blair. Será que a única direita dos interesses boa é a que subsidia e promove os opinion makers de esquerda, silenciando a direita?
Se saúdo a circunstância dos ex-comunistas italianos terem seguido caminho paralelo aos nossos Pina Moura, José Luís Judas, Jorge Coelho, Pacheco Pereira e Durão Barroso, devo também estar satisfeito pelo facto da democracia poder recuperar os Fini e Mussolini que agora aproveitaram a boleia de Berlusconi.
A Itália, que inventou os "carbonari", os fascistas, a "democrazia cristiana" e o partido radical, a Itália, que teve a coragem de lançar uma operação "mãos limpas", para a salvaguarda da democracia, não pode ser tratada como mais um pária do sistema europeu.
A Itália é um dos quatro grandes da Europa e muitos dos insultos que certa imprensa internacional lhe vem movendo tem a ver com concretos interesses dos que querem fazer a Europa à maneira de Bismarck ou de Napoleão Bonaparte, mantendo incólume a locomotiva franco-alemã.
O actual situacionismo português, onde quase todos os líderes partidários continuam à esquerda da massa activista dos respectivos partidos e onde estes mesmos partidos continuam à esquerda dos respectivos eleitorados, se, há muito, ultrapassou o respectivo prazo de validade, vive num país onde o salazarismo, depois de perder o viço, ainda viveu algumas décadas em regime de cadáver adiado que nem sequer já procriava.
Por isso é que, ao comemorar um ano sobre a publicação destas crónicas, tenho de confessar alguma angústia pelo facto de, involuntariamente, contribuir para que, em vez de alguns péssimos ministros que temos, possam surgir outros ainda piores, só pelo facto dos profissionais políticos da oposição serem convidados pelos "berlusconis" que temos para preencherem a agenda mediática da luta da direita contra a esquerda, fabricada pelo oculto "big brother" dos interesses instalados.
Antes de cair nova ponte de Castelo de Paiva por negligências burocráticas, e de se detectarem mais irregularidades noutra qualquer Fundação para a Prevenção e Segurança, seria conveniente que os senhores ministros usassem mais da profiláctica que da terapêutica.
Não se esqueçam que a queda da I República foi acelerada pelo caso Alves dos Reis e que o Bloco Central entrou em decomposição com a questão Dona Branca. Se não houve Alternativa Democrática por causa da Universidade Moderna, julgo que não poderá continuar a tapar-se o sol com uma peneira, mesmo que se usem oportunas fugas de informação sobre as avaliações das universidades privadas, datadas de há mais de um ano, quando o ministério conhece a efectiva realidade do desaparecimento de reitores nalgumas delas, bem como dos escandalosos salários em atraso que instabilizam, feudalizam e escravizam muitos dos briosos profissionais que as servem.
Há constantes da nossa psicologia colectiva e alguma permanência de certos subsolos filosóficos que continuam a preencher de salazarentismo muitos dos meandros desta democracia. Tal como os próceres do antigo regime, no dia 24 de Abril de 1974 continuavam esquizofrénicos, chamando obscuro advogado a Mário Soares e radical de sacristia a Sá Carneiro, mantém-se o doentio subsistema de medo pós-totalitário.
Quando é que percebemos, como dizia Fernando Pessoa, que os únicos construtores em Portugal são os idealistas? Os tais sonhadores activos que nunca se dão com os merceeiros da política?
Bem Comum da semana
Regime das SADs extensível aos partidos
Segundo consta, um regime próximo das sociedades anónimas desportivas vai ser aplicado aos partidos, estando em curso a montagem de uma operação de subscrição pública de acções pelos sócios do PS, PSD, PCP e PP. Apesar dos protestos do Bloco de Esquerda, eis que, segundo sondagens fidedignas, os partidos da oposição já garantiram níveis que, somados, equivalem à mobilização financeira conseguida pelo Futebol Clube do Porto, pelo Sporting Clube de Portugal e pelo Boavista. Já o partido no poder, garantiria cerca de metade do obtido pelo Benfica. Alguns grupos de pressão e certos grupos de interesse parecem aguardar a boa oportunidade de negócios para este necessário investimento institucional, que permite resolver a questão do financiamento partidário. As televisões privadas também estarão na corrida.
Mal comum da semana
A publicidade enganosa
A oportuna fuga de informação sobre a avaliação das universidades privadas justamente colocada no órgão de informação onde mais opinam os principais avaliadores das mesmas universidades e onde o caso da Moderna mais teve guarida, manifesta como as coincidências continuam a ser coincidências. Afinal a publicidade enganosa e a rotulagem falseadora apenas servem para produtos alimentícios e supermercados. Nas mercearias universitárias persiste o regime da concorrência pouco leal e dos inegáveis conflitos de interesses, até porque o doutorismo professoral continua a ser um fundamental sinal exterior de riqueza intelectual nesta nossa querida sociedade, onde o barão substitui o frade, depois de 1834, e onde o sr.dr. foi uma das conquistas da revolução do 5 de Outubro de 1910.