Bush, Bonzos, Canhotos e Endireitas

 

Depois da tomada de posse de George W. Bush como presidente norte-americano, cheguei à conclusão que talvez ainda não estivessem escritas todas as frases necessárias para a compreensão das nossas recentes eleições presidenciais. Com efeito, o reeleito Presidente Sampaio, por muito que custe ao analista político Joaquim de Aguiar, não é a causa do presente mal-estar da política portuguesa. É uma simples consequência e um mero sintoma. Não passa de bissectriz do actual paralelograma de forças político-culturais. É o resultado, por um lado, do domínio mental de uma esquerda sessentona, marcada pela frustração revolucionária, e, por outro, do deserto de ideias que continua a avassalar a direita.

 

A esquerda dominante em Portugal continua a ser um clube extremamente fechado que se julga uma fortaleza inexpugnável, marcada  por um intolerante complexo de superioridade, que vê a gente de direita como um bando de menos inteligentes e menos seguidores da moral. Com efeito, os principais actores, pensadores e vulgarizadores do nosso “establishment” político-cultural brotaram para a esquerda no crepúsculo do situacionismo salazarista, quando este deixara de ser uma doutrina e até já perdera o sentido da “política de espírito”. Talvez por isso é que, muito inadvertidamente, continuam a considerar que toda a direita tem de ser inevitavelmente salazarista ou, quando muito, salazarista democrática, com laivos de cavaquismo ou saudades de Duarte Pacheco.

 

Aliás, os factos passíveis de observação parecem dar razão a essa perspectiva do esquerdismo tipo “português suave”, dado que os comentadores de direita mais destacados são quase todos desertores da esquerda, dominados pelo desencanto, pelo cepticismo e pelo pessimismo antropológico. Quase todos subscrevem a tese do coração à esquerda com a razão à direita, influenciando negativamente os próprios líderes e candidatos a líderes do partidarismo “não socialista”, vindos da extrema-esquerda, que não estando enraizados nos valores e na sociologia de direita, não têm intuição daquilo que o povo sente e pensa, dado que apenas escutam alguns conselheiros da grande burguesia falida ou do grupo aristocretino banco-burocrático.

 

Neste sentido, quase apetece concluir que a direita portuguesa parece querer continuar a ser a direita mais estúpida do mundo, pelo menos quando aceita ser a direita que convém à esquerda dominante. Assim se percebe como esta continua a promover alguns neofascistas reciclados, à espera da chegada de um qualquer Fini, ou como alguns direitistas persistem em considerar  que a direita apenas está condenada a ser “esquerda menos”. Isto é, na paisagem da alternativa ao presente situacionismo, apenas tem aparecido uma direita  que tanto não tem história como parece não ser capaz de responder aos desafios das novas circunstâncias.

 

Ora, com a tomada de posse de Bush, isto é, com a ascensão ao poder da direita democrática norte-americana, assistimos ao regresso de um discurso de direita radicalmente democrático, em nome dos pais-fundadores da república norte-americana, prenunciando o fim da ilusão da “terceira via”, dessa mistura de Clinton com Blair que dava alento de modernidade ao guterrismo, onde Al Gore se traduzia aqui tanto por Carlos Pimenta como por José Sócrates.

 

É evidente que a direita norte-americana não se reduz aos restos da “maioria moral” que entusiasma alguns “Diáconos Remédios” da nossa intelectualidade gladiadora ou as garras finórias de algumas velhas meninas da nossa grande burguesia vagamente aristocrática, nesses bailados de salão das ilustres famílias da actual direita, bisnetas da extrema-esquerda do baronato devorista.

 

Ai de nós, se a direita portuguesa se reduzisse àqueles que integraram o “sector intelectual” apoiado pela CIA ou por algumas fundações norte-americanas e que continuam a assumir-se como “lobbies” profissionalizados, tão coerentes quanto os que ora davam apoio aos excursionistas da Jamba, ora assessoravam a firmeza do General João de Matos.

 

O subscritor destas linhas, apesar de ter o coração à direita, não consegue, em nome da razão, dizer-se da direita nem da esquerda, nesta encruzilhada decadentista do Portugal político. Olhando para a esquerda intelectual que actualmente se manifesta, tão bem sentada nas pantufas do “establishment”, recorda que ela agora comenta o eventual plutónio do Kosovo, com a mesma hipocrisia com que dantes cantava o “nem NATO nem Pacto de Varsóvia” ou o “nem mais um soldado para as colónias”, já depois do 25 de Abril.

 

E não esquece como os agentes norte-americanos que procuravam influenciar os destinos portugueses no tempo do PREC preferiam Mário Soares a Sá Carneiro e davam alento a essa pleiâde de miúdos do MRPP que agora estão no mundo dos negócios e já não têm a coragem de Garcia Pereira.

 

O situacionismo de esquerda que nos presidencializa, governa, parlamentariza, partidariza e culturaliza está como os afonsistas estavam no crepúsculo da Primeira República: são uns “bonzos” cheios da direita dos “adesivos” (isto é, dos antigos monárquicos viracasacas que, depois de se iniciarem na maçonaria e se inscreverem no partido dominante da esquerda, até foram recrutados para ministros), apenas aflitos com o desafio dos “canhotos” da extrema-esquerda.

 

Asentes no pedestal da governamentalização, ora têm os reflexos condicionados do partido revolucionário institucionalizado, ora os tiques escleróticos da “democrazia cristiana”. Até quando é que a direita continua a querer perder por falta de comparência? Ou a apostar nas alternativas que a esquerda instalada lhe vai oferecendo em termos comunicação política?

 

Como dizia Alain, se o poder enlouquece, o poder absoluto enlouquece absolutamente...

 

BEM COMUM DA SEMANA

 

Os Novos Cardeais

A nomeação de dois portugueses para o novo colégio cardinalício chama-nos a atenção para o facto da Igreja Católica ser hoje uma das poucas organizações internacionais que tem a sua principal força instalada no chamado Terceiro Mundo. Não tardará que o próximo Papa tenha de ser extra-europeu. Talvez da América Ibérica, talvez de língua portuguesa. Será esse outro dos fundamentais passos para a instauração do chamado Quinto Império do Padre António Vieira. João Paulo II é mesmo João, de João XXIII, e Paulo, de Paulo VI. Universal.

 

As Leis Negociadas

Num Estado de Direito, o poder estabelecido, mesmo quando humildemente reconhece que algumas leis que emitiu são más, só pode deixar de as aplicar quando promover a respectiva revogação. A chamada lei do ordenamento do ensino superior é péssima, mas os governantes, aplicadores da mesma, não podem apenas usá-la parcelarmente, ao ritmo do negocismo político com os vários grupos de pressão e de interesse por ela afectados. A forma, a generalidade e a abstracção sempre foram irmãs gémeas da liberdade e as principais inimigas do arbítrio. O absolutismo é que era o governo dos espertos, onde o arbítrio e a barganha podiam absolutamente estabelecer privilégios e isenções.