Depois de ler o artigo difusor da “política de espírito” do “novo ciclo”, subscrito pelo Ministro da Presidência no jornal “Público” do passado domingo, apetece dizer ao meu amigo Guilherme d’Oliveira Martins que o novo “ciclo” é efectivamente um “círculo”, tipo “pescadinha de rabo na boca”, como na etimologia, e não passa de mais um reflexo da inevitável “anaciclose” que marca os revolucionários frustrados. Daqueles que, parecendo mudar, apenas voltam para trás, porque revolucionam em torno do próprio eixo, à procura da Idade de Ouro da juventude perdida.
Porque, conforme ensinam os manuais de léxico grego, “anakylitikos” é, precisamente, o que se pode virar, isto é, o que se pode ler da esquerda para a direita e da direita para a esquerda, vivendo a angústia do eterno retorno. Por outras palavras, o guterrismo, perdidas as “paixões” da “educação” e da “igualdade”, passou a ser um desses enfraquecidos governo de esquerda, com mentalidade de direita, que, podendo durar muito tempo por falta de eficaz oposição, já estão putrefactos na raiz do sonho.
Com efeito, para se “compreender” o novo ciclo, importa assinalar que a mola real impulsionadora da chamada “remodelação” está no caldo geracional de cultura que marca certos comentadores, analistas e articulistas do “Diário de Notícias” e do “Público”, donde saíram algumas das “novidades” do Executivo.
Quase parece que Guterres, impressionado com o vigor de Paulo Portas e temendo o regresso de Marcelo ou de Cavaco, decidiu procurar uma espécie de António Ferro colectivo, que, a partir das cadeiras do governo, entre na batalha da análise e do comentário político, onde, de acordo com as melhores regras da propaganda, a propaganda não pareça propaganda, como certamente foi aconselhado por Jacques Séguella, neste ponto, exímio seguidor de Herr Goebbels. E a operação resultou, porque, desde logo, conseguiu algum incenso de “estado de graça” sobre certas figuras ministeriais que pareceram subir quando desceram ou terem tido algum “curriculum” só porque foram muitas vezes aos telejornais. Depois, quando procurou insinuar ter praticado uma “abertura à sociedade”, apenas pelo facto de recrutar “independentes” que participaram no “espírito” dos “estados gerais”, talvez para compensar a imagem de descarado clientelismo dos “jobs for the boys”. O Dr. Durão Barroso é que, apesar de vencedor, logo pareceu estar derrotado.
Porque já foram escritas todas as frases caracterizadoras da tal remodelação, prefiro falar de um pequeno pormenor, que não tem sido devidamente assinalado no âmbito da opinião publicada e que tem a ver com as mudanças no Ministério da Educação que, aliás, antes de o ser, já o eram. Refiro-me ao reforço das ideias praticadas pelo Secretário de Estado do Ensino Superior e defendidas pelo “lobby” das universidades de província, que parecem inspiradas pela doutrina expendida pelo Professor Doutor Vital Moreira e foram acordadas com o Bloco de Esquerda, como o prova uma lei publicada em 26 de Agosto.
Sem papas na língua, digo que estamos a assistir a um reciclado regresso do gonçalvismo com muitos pontos de não retorno, onde as principais vítimas serão os estabelecimentos de ensino superior privado, dado que muitos políticos do poder, marcados por um marxismo-leninismo de formação, continuam obcecados pela circunstância de certas figuras de direita terem sido as fundadoras e continuarem a ser as principais gestoras do sistema privado e cooperativo de ensino superior.
E o facto de algumas personalidades oriundas do salazarismo aparecerem a sufragar o processo, elas que não são propriamente “idiotas úteis”, apenas revela a inevitável aliança de colectivismos estadualistas de sinal contrário. Antiliberais de todos os quadrantes, uni-vos...
Vamos, pois, entrar na anaciclose da política educativa, marcada por uma “paixão” proibicionista, estadualista e burocratista. Uma punição desproporcionada face ao desprestígio provocado pelos responsáveis do ensino superior privado, combalidos pelo chamado “caso da Moderna”, onde não soube distinguir-se o trigo do joio e onde uma hábil manobra tomou a parte pelo todo.
Com realismo irónico, apenas vejo uma solução para os actuais factos consumados do processo neogonçalvista em curso: o recurso à imaginação, dimensão a que Marx nunca se dedicou.
Senhores reitores, directores, gestores e accionistas das actuais universidades privadas! Tratem de convidar imediatamente para os cargos de direcção das vossas escolas personalidades afectas do Partido Socialista, ex-comunistas, professores do Bloco de Esquerda, destacados maçons (estes podem ser do PSD e do PP), ou católicos encartados que tenham cobertura dos grupos de sacristia que participam no actual governo!
Se Vossas Excelências não cederem imediatamente ao ambiente de “anaciclose”, resta-vos a reconversão imediata. Sugiro que mudem as vossas instalações para um local da União Europeia, próximo da velha fronteira portuguesa, onde, assumindo-se como universidades estrangeiras, por exemplo, em cooperação com universidades privadas espanholas, podereis convidar todos os professores das universidades públicas portuguesas que sejam necessários, os quais, com rápidas visitas às zonas raianas de “nuestros hermanos”, escaparão ao âmbito territorial de aplicação das leis de Reis e do Bloco de Esquerda. Com algumas vantagens, até, em termos de IRS, e sem que tenham de utilizar a escapadela do pagamento de vencimentos a título de direitos de autor, por conferências dadas...
Uma última alternativa está em inserirem o vosso ensino superior privado nos domínios do direito internacional público, mas, para tanto, importa encontrar entidades místicas que possam subscrever um tratado com o Estado Português, o que não parece possível com a Maçonaria, as multinacionais ou as internacionais partidárias...
Eis o tal exemplo de “abertura à sociedade” da política governamental, que não tenho dúvidas em qualificar como padecendo do vício da falta de autenticidade. Não acuso, evidentemente, os titulares referidos de qualquer acto doloso. Digo apenas que os mesmos, devido a um defeito educativo de origem, nunca, do colectivismo, se desformataram, pelo que jamais poderão “compreender”, ou ter “intuição” da essência, da sociedade aberta, do pluralismo e do Estado de Direito, por muito que cantarolem as respectivas fórmulas.
Perante a tirania do “statu quo”, tenho de sentir-me pessimista. Para desfazer anos de investimento, bastou um acordo de bastidores em São Bento com um partido de trotskystas não arrependidos. Para construir, foram precisos muitos e pacientes anos. Julgo que certos sectores de Portugal voltaram a cair nas garras de revolucionários frustrados do Maio 68, os quais, usando heterónoma lixívia rosa, conseguiram apagar, do respectivo passado, anterior à queda do muro, certas práticas antidemocráticas a que se dedicaram no PREC.
Confesso estar totalmente arrependido de ter votado Guterres nas eleições gerais que o levaram pela primeira vez ao poder.
P.S. Comunico aos agrestes responsáveis ministeriais da educação que perdi o medo em 1974-1975 e que, devido à lei de 26 de Agosto, já não sou professor do ensino superior privado em regime de acumulação. Não façam perder o precioso tempo dos senhores inspectores neste eventual processo de inquisição. Só os senhores deputados, altos dirigentes partidários e investigadores de institutos estaduais, que sempre foram gabinetes de estudo ideológico do poder instalado, é que poderão continuar a acumular o que lhes apetecer, mesmo cargos directivos do parlamento e das escolas públicas, concordatárias e privadas. Porque, quem parte e reparte e não fica com a melhor parte...