O DESERTO DE IDEIAS

 

 

Neste último trimestre do século XX, talvez por causa do cair da folha, o chamado sector intelectual do Partido da Pátria Portuguesa vive uma curioso decadentismo fin de siècle, onde os principais teóricos do situacionismo, isto é, os canalizadores da opinião pública instalada nos grandes meios de comunicação oficiosos, começam já a falar em crise de regime.

Tentando arriscar uma explicação sarcástica para o presente deserto de ideias, direi que, depois dessa mistura de cabralismo e de fontismo chamada Cavaco Silva ter tirado à direita a vertigem do risco sá-carneirista, eis que idêntico utilitarismo acabou por marcar a esquerda soft que, por enquanto, nos governa. O guterrismo dos Estados Gerais, tentando dar aos restos de marxismo e jacobinismo da esquerda pós-cavaquista o sentido pietista do pintasilguismo e do melicianismo, acabou por gerar uma sincrética mistura de contrários, onde o fantasma de António Maria, com betão em vez de macadame, apenas foi substituído pelas jogatanas politiqueiras de José Luciano Corte Real, com algumas inaugurações de fontanários.

Denunciemos algumas dessas ridículas misturas. Na primeira, incluo a tentativa de conúbio de certos aventais com certo sacristanismo. Na segunda, refiro a conseguida junção do estadualismo de ex-salazaristas com o colectivismo de ex-militantes do marxismo-leninismo, maoísta ou cunhalista. Na terceira, a concretização de uma terceira via à portuguesa, com a nova esquerda moderna plataformista a ser apoiada pela velha direita dos interesses, no tal pior governo de Portugal desde a Senhora D. Maria II.

Essas misturas, que nem sequer a síntese conseguiram, ficaram-se pelo sincrético gaguejante de uma indecisão, onde, face ao vazio de racionalidade ética, não se conseguiu a harmonia conciliadora da arte política democrática.

Não direi, como o rei D. Carlos, que isto é um país de bananas governado por sacanas. Prefiro reconhecer que o actual situacionismo segue a máxima do empirismo organizador de Salazar, segundo o qual o essencial do poder é procurar manter-se.

O chamado coração à esquerda  com a razão à direita corre o risco de ficar-se pela mera vontade de poder do aparelhismo partidocrático, com os voos de Narciso Miranda e as poses ministerialíssimas de Jorge Coelho a terem como  heterónimas marionetas um António Guterres ou um Jorge Sampaio, onde, em vez dos job for the boys, há boys for the jobs..

O decadentismo é crescente. Em primeiro lugar, a tensão entre maçons e católicos, em vez de se assumir como uma mais valia no sentido da conciliação do humanismo laico com o humanismo cristão, acaba por ceder ao pequeno fundamentalismo cartesiano-marxista de certa esquerda coimbrã com saudades do pombalismo. Aquela que tem como excrescência um Secretário de Estado do Ensino Superior que, em nome do abstracto sistema, depois de ter coarctado certos sectores do ensino superior privado, quer agora negar a autonomia criativa da Universidade Católica.

Em segundo lugar, o socialismo guterrista, copiando o pior da democrazia cristiana ultramontana e o menos bom do socialismo de nuestros hermanos, continua a dar tacho e a ter a consequente complacência colaboracionista de certas figuras do Ancien Régime, bem acobertadas pelo  lobby soarista. Uma Santa Aliança Laica com uma retroactiva e parcelar ideologia republicanista, dado que se esquece de Basílio Teles, Leonardo Coimbra, António Granjo ou Teixeira de Pascoaes. 

Com franqueza, entrarmos no século XXI retomando a frustração do 5 de Outubro de 1910, com uma Nova República Velha tão do agrado de Nuno Severiano Teixeira, até me obriga a proclamar  que sinto nostalgia pela legitimidade liberal do azul e branco, saindo em defesa da memória de D. Pedro IV, D. Maria II, Almeida Garrett, Passos Manuel, Alexandre Herculano, D. Pedro V e de tantos outros pais-fundadores que geraram quase oitenta anos de liberdade e quase setenta de armístico contitucional.

Aliás, o melhor da I República, que os também republicanos do 28 de Maio liquidaram, apenas foi mera continuidade dessa tradição do trono cercado por instituições republicanas, aquele estado de espírito que permitiu a abolição da pena de morte ou a promulgação do Código de Seabra e que lançou as sementes de democracia da sociedade civil, essa plurissecular infra-estrutura em assenta o actual regime de pluralismo e Estado de Direito, da Constituição de 1976.

Quanto à terceira mistura referida, apenas saliento que os actuais membros do governo que, ainda há pouco, eram ajudantes de Álvaro Cunhal sabem mais de transicionologia  que os colaboradores de Milosevic. Apesar de estarem para a direita dos interesses como o socialismo de características chinesas está para a globalização do capitalismo internacional, sempre são mais eficazes que os Miguel Portas e os Garcia Pereira, esses amuletos mordedores que a grande burguesia tanto apaparica. Por causa dos plataformistas terem abandonado o PCP é que este permanece algemado na sua ilusão de ordem religioso-militar, com inquisitoriais ortodoxos que até postumamente esconjuram aqueles companheiros pós-tarrafalistas que procuraram integrar o partido na vida comum da cidade.

 

 

BEM COMUM DA SEMANA

 

De Roma às Ilhas Atlânticas

Apesar de algum atraso, eu que, infelizmente, não tenho fé e que, portanto, não me posso considerar católico, quero, como homem de boa vontade, saudar as consequências do que aconteceu no dia 13 de Outubro de 2000, na Praça de S. Pedro, em Roma, onde se cumpriu o essencial do plano de Quinto Império do Padre António Vieira, para quem a missão de Portugal era a de diluir-se universalmente em todos os outros. Um palavra muito especial para o comovido testemunho que, sobre a matéria, Paulo Teixeira Pinto publicou no semanário O Independente. Largando o transcendente e o lume da profecia, mas continuando no politicamente incorrecto de quem permanece regionalista sem temer o próprio federalismo, quero também associar-me a essa festa da democracia que foram as eleições regionais dos Açores e da Madeira. As autonomias regionais, uma das mais belas realizações do nosso regime, apesar de não serem enfatizadas pelo programa do MFA, demonstram como a liberdade sempre foi mais um produto da acção dos homens do que o resultado das intenções de certos programas vanguardistas.

 

MAL COMUM DA SEMANA

Entre Biarritz e Jerusalém

O barril de ódio do Médio Oriente, se ameaça o preço do barril de petróleo, ameaça ainda mais o entusiasmo gnóstico da globalização, pregada pelos adeptos do fim da história que têm sido convidos a perorar em Lisboa pela Fundação Mário Soares e pelos seus aliados universitários de uma new left envergonhada. Face a este regresso a guerras santas, teocracias e genocídios, sou obrigado a relativizar os males portugueses e até a esquecer o autismo dos líderes europeus em Biarritz. Apesar da música de Vangelis, os Guterres, Clinton, Blair, Schroder, Jospin, Chirac e Prodi têm todos o mesmo sorriso postiçamente plastificado pelo videopoder. São moda que há-de passar de moda, geração de transição, do pós-guerra fria e do pós-comunismo, que se mostrou incapaz de moralizar a globalização, de politizar a Europa e de equilibrar a nação libertadora com o Estado-Razão. Por mim, continuo liberalmente adepto da República Universal, da Europa e da Nação, e, portanto, a repudiar as diatribes  propagandeadas entre nós por certos ex-comunistas, feitos comentadores da política internacional, quando apenas balbuciam as vulgatas neomarxistas da teoria do sistema mundo.