OLIMPICAMENTE, TERCEIROMUNDISTAS

 

 

Encerrado o ciclo(turismo) da presidência portuguesa da União Europeia, onde tivemos a ilusão do qual cume da cabeça do mundo culto, polido e civilizado que até dava lições de democracia à Áustria, rapidamente se sucedeu o desencanto da anaciclose guterrista, simbolicamente acompanhada pelo desastre da nossa participação nas Olimpíadas de Sydney, certamente analisada no relatório dos três sábios, pretexto que teve a presidência francesa para chumbar o anterior bom aluno, que apenas o era quando servia para as jogadas dos grandes deste mundo.

 

O normal entre nós é haver destes anormais, típicos do Portugal dos Pequeninos com a mania das grandezas. Por outras palavras, o nosso verbalismo fácil da inveja igualitária alimenta altas expectativas que, quando confrontadas com as realizações, acabam por gerar a frustração, pelo que, muito esquizofrenicamente, passamos de bestiais a bestas, dos melhores do mundo a arrastados acompanhantes da cauda do pelotão.

 

E quando o desencanto se apodera de nós, logo surgem brilhantes raciocínios que levam a culpa a morrer solteira, com muitos discursos de justificação e outras tantas desculpas, onde o presidente da federação acusa o atleta, onde o atleta acusa o treinador e onde o treinador diz que a culpa é do sistema.

 

A premonitória demissão do Ministro do Desporto não nos parece suficientemente desculpabilizante, dado que a multiplicação dos sinais de apatia e o crescente enrodilhar da esperança fazem com que o guterrismo tome tons de rosa cinzento que nem os restos de algum vermelho animam. Aliás, a actuais expectativas frustradas no tocante à governação são cada vez mais parecidas com a chamada oportunidade perdida, que o PS de Guterres outrora denunciava no cavaquismo do oásis.

 

Mais do que viragens à esquerda e à direita, o actual ciclo guterrista aproxima-se crescentemente do modelo decadentista do crepúsculo do tabu cavaquista, de tal maneira que o próprio Primeiro-Ministro trata de se defender em São Bento dos ataques do PSD,lendo anteriores discursos do próprio Cavaco Silva, ao mesmo tempo que este se vai transformando em mais um dos nossos falsos D. Sebastião, capaz de mudar os resultados anti-europeístas do referendo dinamarquês, de levar à baixa dos preços do petróleo ou de garantir a estabilidade do euro.

 

Julgo que o único comentário que se adequa ao actual estado de coisas é bem simples: temos o governo que merecemos. Bojudo, verborreico, incompetente, sem ideias. Um governo de meia-esquerda que bem podia ser de meia-direita e que,para se aguentar, faz um leilão de apoios orçamentais, prometendo benesses a quem quiser negociar dois ou tês votos. Pede aos verdes, para estes pedirem autorização a Carvalhas; pede aos deputados da Madeira, para estes tramarem Barroso; tenta fraccionar os jotas com o referendo da droga; não fecha a porta a Portas e até continua a namorar com os trotskistas. Todos nunca são demais para que poucos continuem o ritmo do comer à mesa do orçamento, dieta que, desde o raposa Rodrigo da Fonseca, transforma exaltados revolucionários em venerandas figuras de muito estadão, sejam ministros de Estado ou para a reforma do Estado.

 

Descanse, Engenheiro Guterres, a barganha vai embrulhando a crise e há-de vencer os sinais de ruptura. Porque o governo há-de continuar de vitória em vitória, até a uma derrota final que não nos parece que surja a curto ou a médio prazo. Porque a direita que temos não merece suceder a estes escombros de esquerda que nos governam.

 

A governação do estado a que chegámos é mero produto do reino da quantidade massificadora, onde os instintos superam a inteligência e onde esta continua a não querer casar-se com a honra. O actual estilo do Engenheiro Guterres está em plena sintonia com a ditadura de um proletariado  do mau-gosto, como transparece do Big Brother, e dos muitos concursos televisivos da sociedade de casino, onde a roleta das perguntas de algibeira até dá a ilusão que é para isso que serve o sistema de ensino.

 

A direita ainda não conquistou o direito à alternância. Dispersa pela sociedade civil, eis que o negocismo e a vida privada não lhe têm dado tempo para o civismo. Até porque os melhores nomes da futura alternância de direita abstiveram-se da vida partidária e nem sequer ainda decidiram entrar na batalha da opinião publicada.

 

Porque a direita dos valores não se manifesta, à excepção de dois ou três nomes de uma intelectualidade minoritária que constituem a direita que convém à esquerda, e que esta sofregamente promove em tudo quanto é opinião publicada, eis que a própria direita dos interesses prefere investir no curto prazo dos grupos de pressão, capazes de negocismo com o poder instalado. Só quando não recebe imediatamente o favor é que trata de gritar que o rei vai nu, preferindo ser cigarra, quando devia voltar a ser formiga ou formiguinha.

 

Ainda nenhum gramsciano nem nenhum leninista de direita decidiu escrever o manual operacional para o derrube do guterrismo, pelo que a central de coordenação política do situacionismo, agora reforçada pelo brilhantismo do flash back, continua a ter a ilusão de que em terra de cegos quem tem olho é rei, manipulando imagens de forma escandalosa. O que o Professor Marcelo Rebelo de Sousa disse no passado domingo na TVI sobre o chamado caso da Universidade Moderna deveria envergonhar os responsáveis do actual sistema político, se a vergonha ainda fizesse parte das regras da actual luta política, se a verdade ainda queimasse e se a justiça não tardasse.

 

Não devemos alimentar em demasia a nossa propensão para os extremos do optimismo/ pessimismo. Era bem melhor que fôssemos apenas realistas. Que, sobre um fundo de pragamatismo, pudéssemos continuar a apostar na aventura. Que, retomando o clássico empirismo franciscano do Deus quer, o homem sonha, a obra nasce, mantivéssemos os fins em boa altura, para que, pudéssemos crescer em sentido integral, isto é, crescendo para cima e crescendo para dentro.

 

Um pouco de ideal-realismo, de materialismo-transcendental e de relativismo seria bem melhor do que as ilusórias drogas da utopia, esses signos da impotência que a geração do Maio 68, já toda ela quarentona e cinquentona, continua a semear à toa, sem reparar que os filhos do PREC, os actuais jovens universitários, acabam por alinhar no sonhar é fácil  dos concursos milionários, porque já perceberam que a apregoada competividade é todos os dias traída pela injustiça da cunha, pelo clientelismo e pelo ambiente do crime compensar.

 

Quando há expectativas que não assentam em reais capacidades, o desencanto é inevitável e a revolta ameaça. As grandes potencialidades, apregoadas na feira das vaidades, são também as grandes vulnerabilidades do quotidiano vivido. Os maiores inimigos da democracia são os que gastam, pelo mau uso, a palavra democracia. Os tais reincidentes da falta de autenticidade que, pregando como Frei Tomás, acabam por prostituir a mesma democracia pelo abuso discursivo da palavra que aprenderam na respectiva juventude totalitária. O crescendo do indiferentismo e da apatia, bem como o assustador desenvolvimento da corrupção e do clientelismo, se não forem tomadas corajosas   no sentido da moralização da política, fazem que, no dobrar da esquina, apareça um qualquer Vale e Azevedo, o qual, vendendo a ilusão de podermos voltar a jogar à Benfica, nos levará a ainda mais derrotas, pelo que, depois de perdermos o ouro e a prata, nem sequer com migalhas de bronze seremos ornados...

 

PS:

1 Parabéns ao luso-cabo-verdiano Delgado, ao Sport Algés e Dafundo e á ruralmente nortenha Fernanda Ribeiro. É este Portugal com pronúncia que nos salvou da desonra. Só depois de muita expiração é que vêm momentos de inspiração...

2 Confesso não ter participado na cerimónia com que o Dr. João Soares brindou o antigo Procurador penafidelense. Não tinha avental para o efeito e nem sequer ainda tive direito ao kit republicano que pretende reduzir a pátria à interpretação de dela faz a maçonaria dos republicanos, socialistas e laicos...